Poesia e pensamentos livres


O futuro é um desejo que desperta com o fluir de todas as experiências vividas nesse momento chamado presente!
Não é construção projectada com traços de arquitecto idealista, mas pintura abstracta de uma consciência que se transforma, consoante as cores que experimenta. É consequência, nunca objectivo.
É caminho, nunca chegada.
É um conceito que se extingue à medida que o tempo passa. Nunca existirá futuro sem presente e presente sempre com futuro. Existe, isso sim, um caminho que nos levará, com sorte, a um momento posterior que será nessa altura não mais que o nosso presente - no fundo o que desejamos quando, inocentes, projectamos o futuro, é um presente diferente. O que sendo a vida efémera não deixa de ser algo a ela contrária, desejar no hoje, um “hoje” diferente num amanhã improvável. - Tantas vezes este desejo leva a sentimentos de revolta, isolamento, incompreensão, desilusão, abandono, tristeza, desolação, conformismo e outros de que não me quero lembrar porque nem sequer conseguiria defini-los!
Tudo, porque desafiamos o tempo, matando-o, desejando ter noutro tempo o que o tempo não nos dá no tempo que temos. A consequência é arrasadora! O resultado será o adormecimento e a acomodação, tudo o que, a trazer alguma coisa, será mais do mesmo ou um mesmo ainda pior. Desejam então, os gurus do "depois", um futuro presente à imagem dos seus sonhos e são levados a esquecer, diga-se, comodamente e estupidamente, que os sonhos realizados no futuro derivam das vitórias e derrotas acumuladas no presente. Mas esse é esquecido em detrimento de algo que nunca existirá (pelo menos de uma forma diferente) sempre e quando não se agir e pensar de outras formas no momento em que a vida acontece. É que a vida não acontece amanhã... está a acontecer! E com ela vai passando a hipótese de concretização de tudo o que a essência de estar vivos permite. Pensar num amanhã diferente é pensar num hoje modificado!
Decidir diferente, agir diferente, sonhar diferente, pensar diferente, amar diferente, ver diferente, caminhar diferente nas planícies e montanhas do hoje que sustêm a nossa alma.
Ninguém poderá nunca questionar, que no nosso futuro nunca poderemos ter o nosso presente de volta. Como tinha razão quem disse, não me lembro quem: "…O Homem é a única criatura que se recusa a ser o que é..."
- Efémero! Acrescento eu.
Mas entendo esta ânsia do amanhã, acreditem! Entendo mesmo! Entendo bem a quimera do almejado “pote de ouro” no fim Arco-íris do futuro. Entendo porque sei que isso anestesia tantas vezes um sofrer que mata e, ao mesmo tempo, sempre servirá como comprimido de esperança que alivia. Compreendo o seu efeito “cor-de-rosa” que qual “ pílula do dia seguinte” tomam os que atordoam a dor do presente com comprimidos de sonhos futuros. Aprendem, com a droga que ingerem a matar tudo o que é deles, mas não aprendem a fazer viver o que os faz. O engraçado é a ironia desta teoria - É que sendo o ser humano uma realidade em constante evolução, tudo o que nos vai fazendo, mofifica-se consoante o tempo que por nós passa.
- A felicidade é algo que sentimos de forma mutável (inevitável!),
- O amor é algo experimentado com mais racionalidade e menos “poesia” (infelizmente!),
- A amizade é valorizada e compreendida noutros prismas (finalmente!),
- O primordial e secundário terão outras escalas (necessidade!)...
Ou seja: Desejamos hoje um futuro diferente para nós e com isso, quase sempre, abdicamos de viver o "agora" em troca do "depois". Mas quando lá chegamos, já não somos os mesmos, e seguramente o “agora” que desejamos no “antes” já não fará qualquer sentido. E mais uma vez lá chegados se inicia o ciclo... desejar no amanhã o que o hoje não nos dá. Assim, para sempre, enquanto o tempo permitir o momento seguinte.
Ironia Divina!
Abençoados os que conseguem chegar ao tal conceito de "Futuro" e de facto viver o tempo que lhes resta sem preocupação do momento seguinte, porque o que têm lhes dá a tranquilidade que nunca existiu até aí.
Abençoados!
Porque para todos os outros, esse momento chega pela mais mortal das formas. Pela maneira mais terrível! Não ter mais tempo, nem um já longínquo futuro para poder projectar.
Nesse momento, à cobardia e acomodação de um presente não vivido, junta-se a frustação de não poder ser diferente porque o futuro termina ao final do túnel. Vive-se num quotidiano, projectando num qualquer futuro, um “eu” que desfrutará de uma vida tranquila e poeticamente idealizada, tão poética que faz com que sacrifiquemos o presente. O problema é que este “eu” tantas vezes nunca se materializa e seguimos vivendo sem dar conta disso. Projectamos uma imagem de “nós” presente que se tornará completa num futuro, que não necessariamente existe. E quando nos damos conta disso é exactamente o momento em que deixamos de ser aquilo que nunca fomos. É neste momento que descobrimos como o “eu” presente foi escravo de um “eu” futuro, e como este nosso “eu” se converteu numa imagem semelhante e austera, e triste dele.
Não!
Recuso-me a aceitar que para ter continuidade devo abdicar dos pecados, dos erros, dos falhanços, dos amores e desamores, das lágrimas, das tristezas, das alegrias, dos sonhos, dos caminhos, das estradas, dos becos, dos abismos, dos campos, das planícies, das montanhas, dos mares, dos céus, das cores que hoje me pintam.
Não!
Continuarei a acreditar nas fundações dos tempos e que só existe um tempo que liga todos os outros, e esse tempo é o presente.
Tudo o resto deixo para os arquitectos que desenham o futuro em papéis que guardam numa gaveta, e para os poetas. Os primeiros porque me fazem querer não ter gavetas, os segundos porque me revelam a importância de estar de pé, respirar, e poder mudar o que de mim não goste.

Deixei de ser aquele que esperava,
Isto é, deixei de ser quem nunca fui...
Entre onda e onda a onda não se cava,
E tudo, em ser conjunto, dura e flui.

A seta treme, pois que, na ampla aljava,
O presente ao futuro cria e inclui.
Se os mares erguem sua fúria brava
É que a futura paz seu rastro obstrui.

Tudo depende do que não existe.
Por isso meu ser mudo se converte
Na própria semelhança, austero e triste.
Nada me explica. Nada me pertence.
E sobre tudo a lua alheia verte
A luz que tudo dissipa e nada vence

(Fernando Pessoa)

Vivam os poetas dignos desse nome, vivam todos os futuros que se orgulham dos presentes que os criaram.

14-12-2009



Ombros caídos sucumbem ao peso da desistência.
Corpos cansados definham em mentes perdidas nos corredores sem a luz da esperança.
Solitárias mentes que não encontram uma razão para insistir na luta porque o vazio tomou o lugar do sonho.
Protegem-se fechando-se em si mesmos esqueçendo que o corpo sempre estará acorrentado ao mundo.
Sofrem a dor visceral do esfumar da vida por entre as mãos calejadas de marcas de tempo inútil.
Não entendem, que assim como nenhum moinho escapa à força do vento, não existe ser que esteja realmente vivo fechando as portas à vida.
Parados!
Inertes!
Querem ser diferentes do que foram, do que são.
Ter uma outra sombra a viajar com o corpo.
Mas continuam adormecidos na ideia e tapam-se com o manto do tempo.
Não é na incapacidade da afirmação da diferença que reside o seu descontentamento (tanta diferença existe por aí perdida na vulgaridade…), mas na cobardia de dizer “eu sou!”, “existo!” e vou ser igual a mim mesmo.
Ainda não compreenderam que no meio da agitação do caos quotidiano, somos original sem cópia, luz única, matéria especial!
Nunca ninguém poderá ter o nosso reflexo e suar palavras nascidas dos sonhos da nossa alma.
A nossa história sempre será, Nós!
Partamos à descoberta do universo interior como exploradores desejando vencer a desistência, dando um novo sentido á luta.
Conquistemos o território inóspito da nossa mente, despertando da sonolência que, tantas vezes, transmitimos em bocejos nascidos do ácido corrosivo do vazio.
Interroguem-se!
Que fizemos com passos perdidos na poeira de sonhos adiados esperando o despertar da alma? Para mim a resposta é fácil!
Viveram!
Todos um dia habitamos na cabana do tempo perdido, mas tempo vivido nunca será tempo perdido. Boas e más memórias fazem parte da estrada da vida. Colhemos os frutos de existir mas devemos plantar as árvores do viver.
Tantas vezes surdos pelos ruídos dos nossos silêncios, assistimos ao enfileirar nas gavetas de cartas com sonhos adiados. Livros nas estantes e nenhum escrito com o nosso punho, e passeamos pelos recantos de um espaço vazio de memórias. Tantas perguntas que nunca colocamos, tantas respostas que cobardemente evitamos, tudo deixamos ao fluir de um tempo que nos mata.
Na memória libertada dos momentos de hibernação devemos contudo tentar entender as razões da letargia que tomou conta dos bancos do jardim, onde pacientemente esperávamos o florir das flores.
É necessário questionar!
Que fizemos?
Inventando-nos em contos sem argumento, vestidos com o fato domingueiro da mediocridade.
Parando o tempo sofrendo por um diferente amanha.
Escrevendo poemas tristes, se os sentíamos com um sorriso na boca.
Vergados pela vergonha da desistência desesperando pela luta.
Sendo o rio do desnorte tendo um mar reservado.
Vítimas da inversa alquimia de sonhos extintos nos extremos de pontes que não se cruzam.
Que fizemos?
Num quarto vazio rodeados de flores frias e mortas, desejando o cansaço da atenção.
Em bares sem fome de nomes próprios sem a fusão nuclear da complementaridade.
Tapados com a nudez, acordados existindo só no sonho.
Construindo-nos de matéria transplantada que o corpo rejeitou.
Bebendo o que não mata a sede, comendo o que não alimenta.
Que fizemos?
Amando uma liberdade escrava do alheamento do mundo.
Mantendo a imagem do icebergue se tudo o que é de nós está à superfície.
Desejando uma ilha no mar tendo cidade em terra.
Esquecendo que a vida é o livro da memória, distanciando-nos do que desejávamos perto.
Com medo da queda se sempre experimentamos o perfume sagrado da terra.
Que fizemos?
Esquecendo o passado se nunca conseguimos enterrar os vivos.
Fechando os braços para o abraço se sempre deixamos livre a emoção.
Guardando beijos se a nossa alma é feita de lábios desejando o seu calor.
Deixando de amar se o amor sempre foi a janela dos devaneios da nossa loucura.
Absorvendo a superficialidade quando o eterno sempre foi a impressão digital da nossa alma
Que fizemos?
Cada um encontrará as suas questões e respostas….
Na procura da luz que nos guie para longe dos becos onde só se encontramos a parede que reflecte o oposto de nós, sempre teremos dois caminhos.
Continuar como ovelhas de um rebanho ordeiro, seguindo os passos de um pastor com todos os projectos empacotados na dispensa da memória, ou assumir que não vale a pena viver qualquer tempo que seja dedicado a enganar a nossa essência.
Deixar de tentar enganar a nossa alma é compreender que apesar de todos os erráticos caminhos percorridos, seremos sempre capazes de conduzir a folha de Outono que nos sentimos, até ao repouso desse segundo do lançamento da âncora do “eu” perpétuo.
Basta apenas um instante para tudo perder ou tudo recomeçar! É assim! Tudo se joga na roleta da vida. Mais tarde ou mais cedo chegará o nosso destino, qualquer que ele seja.
Acreditemos! Pois ele pode ser o eco do grito de quem disparou a arma três vezes, mas sobreviveu, e renasceu afastado da medonha rotina imposta por uma consciência adormecida.
É tempo de passar o testemunho para outras mãos, essas que se encarregarão de enxertar os pedaços perdidos nos cantos onde escondemos as consequências da nossa apatia. A mudança impõe-se por respeito a nós, mas sobretudo à vida.
Gostaria de dizer que é fácil, mas não é!
A vida tem tudo para nos dar mas muito para nos magoar.
Pensam que não são capazes? Acreditem ou mintam as vezes necessárias para acreditar na mentira!
Exijam alcançar mais que o comprimento dos vossos braços e ver além do que os vossos olhos permitam. Desejos rasos em sonhos de mendigo só conduzem à mediania. Pensem o tudo e sonhem para além disso. Não existe outro motor da mudança, outra fonte de energia, que não seja esse dínamo construído com as ferramentas interiores da nossa convicção. Acreditem que estão prontos para iniciar o resto da vossa jornada como almas livres, e deixem-se viajar na rima dos versos que a liberdade escreverá.
Acordem as estrelas que povoam o vosso infinito esplendor, e deixem que a vossa cidade se ilumine de todas as dúvidas! Elas trarão a revelação de todos os mistérios do vosso mistério, caminho único para a construção da silhueta com a qual sairão finalmente para o mundo vestidos de vós.
Tenham a calma que a perfeição exige! E a pressa de emergir de tudo onde antes reinava a calma.
A vida é rápida eu sei!
Mas tudo dura o suficiente para poder ser eterno.
Apressem-se nos caminhos e tropeçarão na realidade, permaneçam parados e perderão a vida. Digam à "pressa" para correr devagarinho e à "calma" que nunca se esqueça que tem "pressa".
Avancem! Não existe querer que não custe, fazer sem falhas, sentir que não doa, dor que não passe, beleza que não acabe, saber sem dúvida, estrelas que não morram, fim sem saudade, inicio sem incerteza, conhecido sem desconhecido, felicidade sem luta.
Não existe lei!
Não existe remédio!
Existe esse caminho que nos trará o dia em que, longe de todos os cansaços, dançaremos a valsa da mente livre e partiremos para o inicio do resto de nós.
Talvez nos cruzemos no resto de mim.

05-07-2009



Sou vítima de um vírus extremamente doloroso! As Ideias.
Aquelas a que não concedemos quaisquer visto no passaporte, mas que se dedicam a fazer turismo em nós, no nosso espaço, no nosso território, e nos absorvem por completo. Dominam o tempo, apertam a alma. Controlam-nos! E por mais horizontes diferentes que procuremos, sempre vamos dar a esses becos sem saída onde nos esperam sem nunca de nós terem saído. Absorvem os vazios da mente, multiplicam-se e deixam-me com aquela sensação de que nada mais existe que não seja reflexo da sua existência.
Atacam-me sem piedade!
Confundem-me!
Desorientam-me!
Cansam-me obrigando-me a efectuar périplos de vida dentro da minha vida, a escalar as montanhas da memória, a correr nas planícies verdejantes dos momentos em que a minha alma aprovou os meus actos, a queimar-me com o sol dos oásis que não vi, a molhar-me com a chuva das lágrimas que nunca deixei nascer.
Transfiguro-me!
Visto-me de verão em pleno Inverno, choro a nostalgia do Outono em plena primavera, mato a normalidade e a anormalidade, num fluir de estações sem estação, de destinos sem partida, de chegadas sem saída.
E aqui estou!
Irremediavelmente condenado a ser hospedeiro de forças que não controlo, a ter que dar vida e deixar sair para o mundo sopros da minha doença.
O pensamento dói, e quem nunca foi vítima deste vírus, nunca entenderá esta dor.
Como um mendigo que abre as mãos para o céu esperando que chova esperança, abro os meus olhos para o mundo e espero pacientemente pelo momento da cura, da libertação. O momento da retirada destes organismos que em mim habitam e que só me deixarão em paz quando voltarem a existir numa outra qualquer forma, ser ou espaço.
É tempo de expulsar os invasores, tempo de libertação!
Tempo de “cuspir” palavras e contagiar o mundo com a minha doença.
Mas que palavras?
Atacam-me dentro do meu corpo, exigem que dê vida a qualquer coisa, e eu não tenho a menor ideia do que desejam. Não sei se tenho que dizer algo ao mundo ou se sou mero hospedeiro de algo que pretende pôr-me em frente ao espelho e mostrar-me qualquer coisa. Estou perdido nos corredores da dúvida, desespero pela cura e não sei qual é a doença!
Mas avanço!
Cada minuto que passe sem nada fazer, só agravará a infecção que me contamina.
Invadem-me pensamentos sobre o Natal e o Ano que teima em entrar, e penso! Escrevo! Para mim ou para outros. Que Importa! Sei que nunca me curarei se não deixar sair os “gritos” de quem me mata o silêncio e me aniquila a paz. Começo por aceitar que a solidão que penso sentir, é a natural consequência de estar efectivamente só num momento que sempre pensamos necessitar de espectadores.
Estou só neste Natal!
E neste momento em que muitas outras solidões se disfarçam com a mascara da hipocrisia, Pergunto-me! Será que o Natal necessita de uma plateia calorosa, aplausos e risos a interromper o silêncio?
Não! O natal é algo que vive no nosso coração e como tal não necessita audiência para ser vivido. Mas entre dúvida e dúvida vou construindo palavra a palavra a minha mensagem de natal, que acabarei por enviar para quem me tocou a vida.
Penso!
Natal! Tempo de encontro de magia de viagem ao que de mais belo existe dentro de nós.
Natal! Tempo de encontro com a esperança, o belo, o tradicional, com a história da nossa história.
Natal! Uma mão que se estende, um pensamento deixado sair, uma lágrima que não soltamos mas que teimosamente quer sair nas recordações dos tempos em que nos deitávamos com os sonhos.
Natal! A vida pela vida sem tudo o que na vida mata a própria vida.
Natal! O sonho pelo sonho com tempo para sonhar.
Natal! O renascer na matéria da qual somos feitos e que aniquilamos sobre a capa com que a vida escondeu a nossa essência.
Natal! O belo, o único, o eterno, o simples, a união, a família, as crianças, a esperança, a beleza, a partilha, a dádiva, a presença, a ausência sentida, o abraço o beijo, as palavras, os sentimentos com calor humano.
Natal! Momento para ser tudo o que nos esquecemos que somos.
Chego aqui, e tenho uma mensagem de natal na minha mente! Mas antes de enviar um medo me assola. Será que me vou colocar do lado dos que sempre critiquei. Vou ser mais um (ou pelo menos assim entendido…) a enviar essas mensagens que dão a volta ao mundo em segundos. Essas que são feitas de palavras de uma alma que na verdade desconhecemos, mas que fazemos nossas porque perder uns segundos a escrever sentimentos genuínos é sacrifício demasiado?
Não!
A todos que me tocam a vida, aos presentes e nunca comigo, aos ausentes e sempre presentes, aos que partiram e não ficaram, aos que partiram e estão, aos que estão de partida aos que estão de chegada, aos velhos e aos novos, aos de longe e aos de perto, aos das horas difíceis e aos das horas alegres, aos de antes, aos de agora, aos de sempre, recuso-me a enviar algo que não seja MEU.
Se a inspiração não me ajudasse diria um simples “olá” mas seria meu, um “obrigado” mas seria meu, mandaria um “abraço” mas seria sempre genuinamente meu.
Não existe nada na vida que seja demasiado velho e gasto que não possa renascer nas asas de uma nova visão, nos sonhos de outros sonhos, na vida feita de outras vidas. As mais fantásticas descobertas que podemos fazer sobre as coisas, sempre acontecem quando as vemos com uma perspectiva nova, com um olhar diferente, com um coração que sente diferente.
Não!
Aos que comigo respiraram todos os dias do ano, aqueles com os quais me aperfeiçoei como pessoa, não pelo que dei ou recebi, mas pelo que directamente ou indirectamente, me obrigaram a revelar, a conhecer de mim mesmo! Não vou dar o que sempre vomitei quando recebi! Pedaços do bolo dessa mediocridade que alimenta o mundo hipocritamente esfomeado nesta quadra.
Chamem-me o que quiserem, sonhador, idealista, louco, anarquista… o que quiserem! Mas no dia em que se revoltarem contra vocês mesmos, no dia em que se libertarem do que vos mantêm cativos, e deixarem de consumir produtos da lixeira da humanidade, nesse dia meus amigos! Sentirão orgulhosamente a destruição das coleiras da escravidão a que se submeteram, e o mundo começara a compreender a vossa voz.
Como deseja falar para o mundo quem nem sequer fala por si mesmo. Como deseja falar para o mundo quem utiliza palavras de outras gentes para fazer chegar à sua gente, quem envia “lágrimas” que nunca chorou para fazer chorar quem lhe toca, quem pinta aguarelas de esperança com cores de outras esperanças e oferece quadros sem nunca ter vivido as cores nele expressas.
Estou infectado, eu sei!
Tudo o que me chamarem poderei sempre desculpar com o vírus que me mata, mas agora que começo a sentir a liberdade porque aos poucos as palavras me libertam, devo dizer que, estranhamente, já tenho vontade de ser contaminado outra vez.
Não! Não acabei por ficar apaixonado pelo meu invasor (não sofro do síndrome de Estocolmo…) mas compreendi que a sua consequência é uma maior consciência do mundo, que sempre me chega quando algo ou alguém me obriga a possuir a minha própria consciência.
Este vírus ao erradicar a minha infinita ignorância aniquila uma das minhas doenças! Essa cujos sintomas se manifestam numa vida por vezes desperdiçada pelo sono causado pela minha interior cegueira.
Cuidado ao lerem estas palavras!
Estão impregnadas de “vírus”e são altamente contagiosas. Quem as ler, sofrerá para sempre dessa vontade de viver com intensidade a infinidade de possibilidades que nos é dada nesta vida.
Cuidado!
Não se deixam injectar com um vírus que depois não sabem como controlar, com um vírus que aniquilará a mediocridade e vos porá em frente ao espelho para que, de uma vez por todas, vejam a vida com ela é:
EXTRAORDINÁRIA.

E se o objectivo desta contaminação era fazer sair de mim uma mensagem de natal, aqui me liberto totalmente da minha doença ……

“Vivemos para lembrar e ser lembrados. Onde quer que exista um coração que me recorde aí! Exactamente aí! Será o meu Natal. Por cada alma que pronuncie o meu nome neste tempo de memórias, uma estrela viverá e brilhará na minha árvore de natal. Contemplando o seu brilho entenderei se a minha vida até aqui valeu a pena. Qualquer que seja a dimensão da tua, existirá nela uma estrela a brilhar intensamente, A MINHA. E agora, unicamente quero que saibas que uma parte importante do teu natal está no meu coração. Desejo que tenhas uma espectacular árvore de natal e que tenhas seguro que a minha alma será parte importante do seu brilho. Que a sua luz ofusque os teus olhos para que sintas que a tua vida é plena”

E para ter uns momentos mais prolongados de paz, aqui deixo uma mensagem de ano novo…

Se o natal é um período de charneira entre dois anos … (uma nova definição cheia de ciência….), como sempre brevemente, chegarão os votos para o novo ano. Sejam qual forem os vossos, tenham sempre presente neles uma realidade!
Quer queiram quer não, só existirá um “ano novo” se rejuvenescer-mos dentro de nós.
De nada vale vestir roupas novas, ter esperanças em mudanças acreditando que algo ou alguém fará por nós o que nunca fomos capazes de fazer por nós mesmos. Se não existirem ideias novas, sentimentos novos, esperanças novas, sonhos novos, caminhos novos, se não entender-mos que a felicidade não é ter tudo na vida (seja qual for o nosso conceito de tudo….) mas criar dentro de nós o espaço, o vazio necessário, para ter motivos para algo novo na vida, o ano, meu amigo, será outra vez um “ano velho”. Por isso, a única coisa que vos posso desejar é:
Reinventem-se e renasçam de facto para um “ano novo”

24-12-2009


Descanso!
Hiberno a minha humanidade.
Descanso!
Solto a alma na amplitude infinita do sonho.
Percorro as esquinas da mente vagueando.
Vagabundo!
Sem estratégia, sem ontem, hoje ou amanhã.
Sem pressa, sem calma, sem nada!
Nada que me atrapalhe a não ser eu próprio.
Habito no disperso, no nada que é inteiro, tudo é nevoeiro.
Já não tenho nada para dar.
Ou será que ainda não tenho.
Meio copo, o copo todo, qualquer coisa que não exija copo.
Escorrego no jardim dos sonhos.
Observo as flores do entendimento, e as árvores do aprendido.
Cantos dispersos ou dispersados, ruídos, sons.
Pétalas de flor que caem, que sinto, que desminto, que desdigo.
Percorro os mares as planícies as montanhas.
Percorro!
Um rio que não sossega, um mar de lava em erupção.
Estou atento, desperto em cada manifesto.
Invento histórias, fábulas, contos, romances sobre tudo o que me preocupa.
E tanto me preocupa!
Sobre tudo o que me diverte.
E tanto me diverte!
Escrevo!
Página de um inexistente diário que tudo tenha, que nada lhe falte.
E teve!

Alucinação!
Flashes dos obtusos espaços que me constituem.
Dor!
Não, claro que não! Sou dono da história.
Reflexos!
Memórias que iluminam a escuridão de uma noite deslumbrantemente nua.
Labirintos!
Sombras onde pensamentos perdidos encontram todas as direcções.
Batimentos!
Ritmados pela percepção do perdido, do inalcançável, do desnorte e de tudo o oposto.
Caminhos!
Percursos vacilantes à deriva de todas as esquinas dos tempos.
Vazios!
Todas as fraquezas, todos os vícios, queda livre.
Abraços!
A todos os encontros no voo solitário pela claridade da escuridão.
Leis!
Abolidas por decreto, que raio! O momento é meu.
Nexos!
Nenhum ou todos. Sem direcção ou com direcção. Musicados ou em silêncio.
Imaginação!
Implacável tráfego de tempo sem espaço nem tempo.
Sonhos!
Vou no mastro do barco gritando os infinitos de ilhas imaginárias.

E teve! Isso tudo e o dobro do que lhe falta.
Nenhum farol me indicou o norte, viajei sem bilhete sem passageiros.
Subi as árvores para colher os frutos que matam a fome da nostalgia.
Agora imagino a casa limpa, arrumada, perfumada, quarto cheio, beijos com corpo sem ânsia da procura.
Vejo todos os que me fazem sonhar, cruzo-me com os olhos dos que me vêm.
Afasto as invejas da minha liberdade e quem dá mais força às amarras dos meus vazios.
Saio do voo!
É madrugada e o horizonte já espalha a sua claridade na minha sala sem estar em nada, simplesmente avisa que chegou.
Tudo volta à sua forma.
Céu, estrelas e planetas voltam à dimensão da minha dimensão.
Os ponteiros do relógio pararam, ou estarão ao contrário.
Abandono trajectos incertos e tomo à mesa o meu lugar.
No canhoto dos cheques aponto que acabei de pagar todas as contas.

Se tudo o que escrevi é nada!
Esqueçam-no!
Só o que existe se pode esquecer.
Se esquecerem, o momento existiu.
Agora!
Acabou a terapêutica.
Volto à realidade.
Fecho o diário.

10-09-2009



Se pudesse!
Alimentar a paz comendo a maça proibida.
Ter a lâmpada de Aladino e abrir a gruta de Ali Babá.
Percorrer as mil e uma noites no meu tapete.
Ser guardião da Arca da Aliança..
Entender os sete pecados capitais.
Abrir a caixa de Pandora.
Ser centurião com a ideia de Roma, cavaleiro da Távola Redonda.
Beber a imortalidade do santo Graal.
Ter a máquina do tempo.
Se pudesse!
Percorreria as estradas da utopia.
Tocaria a pele de todas as alquimias.
Atingiria o éden abraçado a uma estrela.
Viajaria em cima de um meteoro.
Seria um lado do quadrado da circunferência.
Abraçaria o raio para renascer na luz.
Embrulharia o sol para oferecer à fria solidão.
Cometeria o oitavo pecado capital… (não aceito sete)
Alagaria os desertos da inquietude.
Construíria planícies nas montanhas da luta.
Secaria os campos molhados de desespero.
Semearia todos os frutos da esperança.
Entraria nos portais das casas da saudade.
Treparia as árvores queimadas pela indiferença,
e com as cinzas faria diamantes de compreensão.
Tatuaria simplicidade nos rochedos do complexo.
Seria as mãos dos corpos amputados
Os olhos de todas as cegueiras
O farol de todos os fantasmas.
Se pudesse! Mas não posso! Ou poderei?
Sou uma criação finita, efémero por definição.
Mas ser mortal mata a eternidade? Nunca!
Que eu seja imortal enquanto dure o meu espírito.
Que ele abrace todos infinitos que o meu corpo nunca conseguirá tocar.
Antes que o finito me leve não serei mortal por nada ter feito.
Possível e impossível!
A ponte entre a parte mortal de um sonho e a imortalidade da sua realização.
Quero cruzar todas as pontes...
Mas seria interessante ter essa máquina do tempo…
Gostaria de poder ver o altar do meu réquiem.


28-08-2009


Nas garras de uma alma ditadora vou em direcção a um destino que é meu, enquanto eu não sou o meu destino.
Começo a sentir o meu corpo a esvaziar-se de vida.
Estou de partida, ausente de mim, passageiro clandestino despido de tudo que lhe possa dar um nome. Sou outra vez turista dentro da minha própria cidade, vagabundo em esquinas com ecos da minha história. Deixo-me levar pelos caudais de um rio sem corrente, numa noite onde tudo é permitido.
Sim! Vou partir.
Viajar no passado e no futuro, para onde quero e com quem quero – sempre agradecerei ao sonho e à poesia essa liberdade –. Vou reaver sonhos acabados e inacabados, tentar parar o vento com palavras que, quando consciente, guardo para mim.
Não tenho qualquer certeza, mas agasalhado em incertezas já sinto o calor das palavras que sempre roubo ao abraço da noite. Estou na fronteira, cumpro os formalismos necessários, bebo o veneno da escravidão, e deixo-me adormecer ao som do “requiem” do condenado. Parto!
Já sinto a poesia...

Por momentos vou viver, com cegueira consentida
Vou deixar-me adormecer, para dar à alma vida.
Ausento-me do meu corpo, sem tempo para entender
Porque rasga o sentimento as entranhas do meu ser.
Vou dizer tudo o que penso sem poder pensar o que digo
Vou rasgar o meu sentimento com tempo para estar comigo.
Na escuridão eu vou ter para os olhos doce luz
Vou morrer para ver nascer o que o sonho produz.
Nestes sonhos vou dizer onde descobri o norte
As forças que venceram cada dia a minha morte.

Mas é assim!
Sempre carregarei uma alma que para explodir de vida, necessita do meu alheamento temporário.
Uso esse tempo para apreciar o belo, o único, todas as manifestações grandiosamente simples de uma eternidade que nos precede e que ficará depois de nós. Sou explorador desse território acidental chamado de ser humano. Essa realidade finita, que na ilusão da sua existência, na ambição egoísta de ser qualquer coisa diante da superior importância do universo que o criou, quer matar a sua pequenez tentando levantar-se, ser alguém!
Quando nascemos, devemos com humildade, assumir a nossa insignificância. Nesse preciso momento, ajoelhamos perante o mundo e a este nos submetemos morrendo a partir daí. Não entender isso é abrir as portas ao constante desespero com a nossa condição de efémeros.
Compreendi!
É o facto de sermos mortais que nos veste de originalidade, que nos explica, que nos faz apreciar cada segundo em que a beleza se manifeste.
Agora que sou condenado a um sono diferente, grito!
Grito as últimas palavras e deixo-me adormecer lentamente.
Aceito! Contradigo-me!
Faço a apologia da vida e entro na escuridão sem esboçar qualquer resistência.
Que posso eu fazer?
Se nesta noite consentida experimento o que de melhor me deram os meus dias. A minha alma conhece-me bem e aproveita-se disso. Prepara-me a ratoeira com o meu queijo preferido e faz-me deambular em mim até ao momento em que não resisto mais e me delicio com esse alimento libertador.
Neste leito onde descanso de mim e do mundo, os meus olhos assimilam uma luz que chega como relâmpagos, flashes de uma vida submersa mos mares longínquos e profundos da memória.
A minha alma vai para a rua num domingo primaveril, fala! Comigo ou para mim, para outros ou com outros, mas não a escuto!
Ela assim o desejou.
Tapo-me de alegria, de saudade, de mentira de verdade, cubro-me pela vida, para a vida, com a vida.
Em cada sonho um porto, cada porto uma lembrança, cada lembrança uma esperança, cada esperança um poema.
Sou soldado que não enfrenta o inimigo, mas este ao dar o seu passeio triunfal no campo de batalha, não terá um único espaço que não esteja coberto de palavras escritas com o meu sangue.
Sangue com o qual construí, palavra a palavra, um hino à amizade pura, ao sorriso que liberta, ao erro que é preciso, ao amor ou desamor, a tudo o que à minha passageira eternidade dá cor.

Nem sempre toquei a lua com os sonhos de criança
Mas dei nome a uma rua, chamei-a de esperança.
Tive sonhos conquistados, tropecei sem dar por isso
Tive sonhos derrotados, mas vivi apesar disso.
Cada dia ao despertar foi ser que enfrentou a natureza
Um dia com coragem, outro como mendigo à mesa.
Chorei lágrimas de saudade, sorri com o coração
Fiz versos de liberdade, pinturas de escravidão.
Comi a comida dos ricos, provei o sabor dos pobres
Caminhei com proscritos, estendi a mão a nobres.
Sofri com a desilusão de gente de alma ausente
Injustiçado sem razão, perdoei humildemente.
Errei por ter arriscado, ser ermitão sem ermida
Mas errar é um pecado, cujo perdão é a vida.
Por vezes alma indefesa, tantas vezes lutador
E se num dia foi presa noutro foi predador.
Admito agora que sempre tive um objectivo
Recusar-me a existir, sem nunca me sentir vivo.
Tive ânsia de experimentar, recusei viver esperando
Vivi! E agora posso contar, o que aprendi caminhando.

Sinto que tenho em mim todos os passos do universo. Saio para a rua, para o mundo, de dentro de mim ou em mim, mas saio! Sou criativo, diverso, planto uma arvore…ou duas…e erro até ao limite da inconsciência.
Errando consegui ver o lado estrelado das coisas, esse lado eterno que sempre quis fazer meu. Arrisquei viver e por isso errei até à exaustão. Errei mais por não desejar o erro de nunca ter errado, por saber que a sua inexistência é ausência de vida.
Não! Nunca senti qualquer arrependimento, seria estúpido sentir isso! Como se o tempo pudesse voltar para traz.
Errar é a consequência da nossa loucura, mas quem a não tem, ou está morto, ou é completamente louco.
Quem está vivo cai! É impossível viver sem saber como cair, e por isso errei! O suficiente para quando senti a lama na face, voltar a vestir aquela roupa acabada de comprar que sempre me faz sentir uma pessoa nova.
Viver é uma outra forma de conjugar o verbo errar.
Conjuguei-o em todas as suas formas.
O dia em que ousar pensar deixar de cometer erros, ou o meu corpo vegeta, ou a alma que o alimenta entrou nessa sonolência vivida por quem se cobre com o manto da vergonha no crepúsculo da desilusão.
Embebedemo-nos de vida e erremos como um desvairado borracho para quem tudo é possível. Quem nunca ousar enganar-se, nunca experimentará a doce melodia de ter acertado. O engano é necessário porque o acerto é imprescindível.
Se algum dia encontrárem alguém que vos diga que nunca cometeu um erro, não percam a oportunidade de lhe perguntar como é viver no paraíso.

Aprendi que nesta vida, o erro a ninguém pára
Apenas abre uma ferida que o próprio tempo sara.
É mestre clarividente, chegada e despedida
É diário confidente, em cada nova partida.
Ouro que não se esgota, riqueza feita memória
De quem arrisca a derrota, morrendo pela vitória.
Estátua de sangue erguida a quem nunca esqueceu
Que só não erra na vida quem nunca nela viveu.
E quem pensa que do erro, já teve sua parte na vida
Está morto, ou o seu enterro, vai descendo a avenida.

Tenho amigos porque os amigos são comemoração.
São flores plantadas no nosso caminho, para que dele façamos uma constante primavera. Uma porta sempre aberta quando todas as outras se fecham.
Na amizade existirá sempre a poesia muda, a eternidade num momento sem razões que a razão entenda.
Um problema partilhado numa confissão libertadora, felicidade transmitida ou desventura compreendida. Distâncias encurtadas numa negação exigida, beijo adormecido num abraço sem mais nada.
Um amigo é um segredo de boca em boca contado, muitas vezes esquecido, mas tantas vezes lembrado. Um jardim, um refúgio numa longa caminhada, semente plantada nas areias do deserto, que cresceu e se fez árvore para apoio de tudo o que em nós é incerto.
Não tem defeitos nem virtudes, existe! Não precisa dizer quem é, apresentar-se. A sua impressão digital está gravada na nossa alma. Falando ou em silêncio, na luz ou na escuridão, na presença ou na ausência, será sempre a página mais gasta do livro da nossa vida.
Aquele que desconhece que foi o nosso ponto de apoio, leme, ar, contradição, critica e elogio. A outra asa do anjo que voa no nosso corpo, tudo o que nos resta, quando já nada nos resta.
Que aparece quando o nosso coração precisa de ser trespassado pela lança da crença. Quando sentimos a necessidade de ser amados pelo pobre que somos, pela nossa perfeição imperfeita.
Não é luz que guia por estar um passo á nossa frente, é a outra sombra da nossa sombra, porque caminha ao nosso lado. Que nos faz valorizar as estradas já conquistadas, já percorridas, e entender com humildade os caminhos por desbravar.
Um dos objectivos mais importantes que temos na vida, não é poder ser o que somos, mas sim o que podemos vir a ser.
Quem sozinho caminha nesta direcção pode até chegar mais rápido, mas quem caminha com amigos, chegará, nesse desígnio, muito mais longe.

Aprendi que a amizade não escolhe coração
Que para ser de verdade nasce e vive sem razão.
É um constante partir sem precisar de estar
É viajar sem sair é um constante chegar.
Não necessita presença é um nada que tem tudo
É superior à ausência é um belo filme mudo.
É sentimento que perdura aroma que paira no ar
É vida, sonho, é ternura, é um ter sem esperar.
É silêncio em lugar incerto, palavra em espaço trocada
Abraço de coração aberto, momento sem mais nada.

Sorrio!
Quando alguém me oferece o que de mais precioso tem na vida – o seu tempo – expresso o meu agradecimento com algo tão puro e genuíno como um sorriso de ternura.
Não deixo que se note na minha face as marcas das lágrimas que não choro.
Sorrir é a marca de uma alma livre, brilho de um coração que arde em felicidade cuja chama se reflecte na face.
É a manifestação da abertura do jardim da nossa alma para a beleza da vida. Que a nossa boca seja essa estrela que brilha e ofusca no firmamento infinito, em todas as noites que alguém necessitar de um farol no horizonte longínquo. Que a nossa boca seja uma flor que desabrocha todos os dias para conforto das solidões, esperança no desânimo, consolação da tristeza.
Nunca seremos tão ricos para desvalorizar a sua importância, nem tão infinitamente pobres que não possamos experimentar a sensação de dividir um.
Não se compra, não se empresta com ideia de retorno ou rouba por inqualificável inveja.
Vale tudo nesse preciso instante em que o oferecemos livremente, e no dia que alguém o recuse, sorri outra vez! Porque não existirá ninguém mais necessitado de um sorriso do que aquela alma que ainda não aprendeu a importância de sorrir.
Dá-me esse sorriso que pensas que para ti não te serve de nada, mas que explodirá na minha alma, como força redentora para voltar a acreditar em tudo o que em mim já morreu.

Um sorriso é brincadeira da alma
Poesia dum coração em esplendor
Reflexo de um ser livre, em calma
Com o mundo e com o seu interior.
Expressão de humildade confiante
Reflexo de paz com genuína alegria
De quem conscientemente ignorante
Sabe que sorrir é prova de sabedoria.
Conforto que se concede ao momento
Poesia que pode mudar uma vida
Gesto de quem não afasta do seu pensamento
Que nada mais é preciso para sarar uma ferida.
Melodia que o corpo sempre acalma
Forjado na verdade é magia vitoriosa
Terapia para conforto da alma
Bala perdida da arma mais poderosa.

Sou o início de todos os meus inícios e iniciei-me tantas vezes quantas as que amei.
Amar!
Poesia construida de versos nascidos sem qualquer explicação. Conquista feita ao finito no infinito. Invólucro da alma, sangue de um corpo em direcção à eternidade.
Amar!
Hino tantas vezes tocado por melodias de incompreensão, mas quase sempre, proclamado como o mais sublime dos sonhos de um ser findo na sua condição. Poesia e prosa de um livro em constante elaboração. Caminho inevitável de quem deseja ser chegada de outra qualquer partida.
Amar!
Sentimento que tanto revigora como nos enfraquece, prisão e liberdade, segundo e eternidade. Vontade desinteressada de ser, pertencer, completar e completar-se.
Tudo o que carrego na mão que não sendo meu, é de mim o que melhor possuo.
Completar-me em outro, sem que o outro seja meu e eu lhe pertença.
Amar!
Mar imenso, intransponível, forte e avassalador, cuja beleza nos encanta, mas também nos afoga de dor. Renúncia da razão! Quem ama sabe que ama e não tem que encontrar para isso qualquer explicação.
Amar!
Guardar as máscaras que carregamos, e deixar que pintem um retrato de inocência com as cores da nossa verdade despida.
Sentimento que não se inicia num eclipse de vidas, mas no exacto momento em que outra vida passa a existir dentro da nossa.
Amar!
Desejo de permanecer, existir, viver e ser, parte de outra parte nesse momento chamado “sempre”. Um perdão num abraço, numa carícia num toque de pele. Gostar sem maquilhagem, de robe de chinelos e não imaginar um futuro vestido de outras roupas.
Amar!
Ausência dos olhos, presença no pensamento. Desejo, paixão, união, sexo, esse imenso beijo que não cabe na dimensão do corpo.

Mas agora que pretendo escrever sobre algo que nunca viverá de palavras, e a elas sempre será superior, paro!
Invade-me uma cruel tristeza.
Quando começamos a explicar o amor, entendê-lo, defini-lo, somos vítimas de uma irónica certeza!
Não amamos!
E por isso, Silencio-me! Quero permanecer na incerteza.

Amar!
Viagem sempre sonhada em cada estação da vida
Tantas vezes uma chegada, outras tantas, uma partida
Um reino sem soldados, terra sem qualquer dono
Onde todos são escravos, reis e rainhas sem trono.
Felicidade acompanhada, paz completamente a sós
Sentir o coração apertado, mas dar mais força aos nós.
Morrer em tudo o que nos fez, esquecer o que sabemos
E voltar a nascer outra vez, no outro em que vivemos.
Olhos que não querem ver, beleza noutra presença
Que só se abrem para o ser, que lhes dá a sua essência.

Regresso agora de tudo o que vivi sem nunca lá ter estado. Desse abandono do tudo que penso ter, sem nada possuir. Mudo de reino, acabou o eclipse, resgato o homem caído, a criança pintada de sonho, o animal feito presa. O anjo renasce, já sente o troar das trombetas que anunciam a ressurreição. A criança sai para a rua e brinca com o seu peão, o homem já luta pela sobrevivência, procurando nos despojos pedaços de um corpo esquartejado.
Construo-me!
Já me sinto e a minha alma já me consente. Sou outra vez causa e efeito, razão e coração, e lavo-me da camuflagem da sanidade insana da minha consciência.
Como posso ter esta triste e infame ilusão, esta crueldade desnecessária de pensar que posso escrever? Como consigo ficar sereno quando pretendo roubar palavras à vida? Sei que não o faço por ser um vulgar marginal, mas porque não resisto à sua beleza.
Sou um doente! Um condenado que paga o seu crime com o sangue que derrama palavra a palavra, verso a verso. Aceito o meu carrasco e mato-me, em cada segundo, em cada hora, em cada dia. Mas sou livre nesta escravidão e "morro"! Sim "morro"! Mas por mim, à minha maneira. A única que admito, porque de outra forma nunca viveria!
Não tardará que sinta outra vez o doloroso abandono da vida, que meu corpo seja saqueado e esquartejado, mas não importa! Enquanto vítima de uma insana alma, sei que em cada renascer doloroso construo-me e sinto-me sempre, sono a sono, sonho a sonho, muito mais perto de mim.

Em tudo que aqui digo, tudo ficou por dizer
Mas esse é o meu castigo, por ter ousado querer
Escrever da vida conceitos, que só poderão nascer
Em quem sentir seus efeitos, por ter arriscado viver
Nada mais consigo escrever neste meu despertar
Outro dia o meu corpo dormirá para a minha alma sonhar.
Sonhos de vida e de morte, sonhos de caminhadas
Onde o azar e a sorte andam sempre de mãos dadas.
A curiosidade é a autenticidade no meu conhecimento
Barco de liberdade com velas que no infinito têm seu vento.
E no fim sei por defeito, que o facto de estar satisfeito
Poeta de mim não faz!
Agora que já me ilumina a luz que alguém para mim fez
Leio o que o sonho produz e quero adormecer outra vez
Voltar a sentir a paz que essa escuridão me traz.

Amanhã voltarei...Em "morte" consentida ou na vida permitida.
Eu que sei!
Toda a minha vida assisto ao domínio do meu corpo pela mente, mas no fim da minha história, serei subjugado à tirania do corpo.
Por isso agradeço esta alma que carrego e que tantas vezes me aniquila.
Agradeço porque sei! Quando de mim ela for fardo, já não serei nada, terei partido para a uma viagem de onde nunca regressarei.


14-11-2008



alvez, não sei! Não sinto ser capaz!
Tantas exteriores vontades me forçam a entrar no reino das palavras! Tantos os que me querem ver transformado em toscos traços perdidos num papel condenado ao esquecimento. Genuínas e amigas mentes impelem-me para um espaço onde sempre me sinto recluso da sentença perpétua da inferioridade.
Falam-me!
Argumentam!
Despertam-me da hibernação de mim, e vestem-me de coragem!
Impelem-me!
Colocam-me nessa estrada tortuosa de usar a linguagem para gritar o que sempre calo, pintando com sangue de uma ferida que não tenho, quadro de uma eternidade que não sonho.
Obrigam-me a ir contra a minha vontade de não ter vontade.
Querem que seja arquitecto de um edifício que não sei desenhar, e que por momentos, acredite que talvez!
Talvez um dia seja capaz de construir com o cimento das palavras um edifício consistente de incontestável eternidade. Desejam que acredite que não estou distante do dia em que entrarei pelas suas portas, e me sentarei no seu átrio como um conquistador que assume o trono que sempre lhe pertenceu.
Talvez, não sei! Não sinto ser capaz!
E como balanço quando essas vozes em mim ecoam! Elas não sabem (Ou sabem e por isso insistem…) como sou arrebatado pela beleza de todas as mentes livres que ousaram e conseguiram criar imortalidade. Admiro o que é de outrem e destruo desapiedadamente o que é de mim. Não por ser compulsivo destruidor de tudo o que é meu (que sou...), até porque nada em mim existe que mereça essa perda de tempo, mas porque sempre me vejo espelhado na estátua do soldado desconhecido, um peão de outras glórias.
Tenho e terei as minhas conquistas, e delas farei a minha isolada eternidade. Mas ficarão sempre nas histórias secundárias, nos destacáveis, nas últimas páginas, nas curiosidades sobre o enredo principal, e nunca mas primeiras linhas da história sobre a história.
Talvez, não sei! Não sinto ser capaz!
Por momentos invade-me a necessidade, cativa-me a ideia e todos os meus sonhos são partes desse edifício. Portas forjadas de diamantes que projectam sua luz num vasto infinito. Janelas com vista privilegiada sobre uma cidade chamada mundo. Quartos com alma mobilados com peças de eternidade, corredores com as cores da esperança e o silêncio da música de todos os sonhos do mundo. Jardins coloridos com flores perfumadas de liberdade, fontes de paz donde jorra agua dos oásis da memória. Recantos que cantam na melancolia da noite melodias de agradecimento à vida, e despertam com a aurora para o abraço dos passos curiosos e firmes de quem pisa um sonho sonhando o seu.
Tenho a ideia do espaço mas não tenho qualquer espaço para a ideia.
Talvez, não sei! Não sinto ser capaz!
Expludo em sentimentos contraditórios, tenho a simplicidade de quem o que sabe, sabe porque viveu. Não sei inventar o que não me constrói, relatar o que não experimentei, pintar cores que não sinto, transmitir o que não acredito. Não sei musicar sons que não escuto, criar personagens tipificadas que não sejam o espelho da minha alma ou reflexos de tudo o que desejaria ter sido e nunca foi.
Não sei fazer isso!

Não tenho bola de cristal, tenho a vida.
Não tenho o motivo, sou a ausência de razões.
Não tenho o ritmo da emoção! Somente a emoção.
Não tenho páginas de palavras, tenho palavras.
Não tenho método, sou metodicamente desorganizado.
Não tenho prazos, sou o prazo que o tempo me der.
Não tenho início, meio e fim, tenho o caminho.
Não tenho capítulos, tenho momentos.
Não tenho irracionalidade, sou uma razão irracional.
Não tenho drama tenho a esperança.
Não tenho a fatalidade tenho a paixão de acreditar.
Não tenho o sofrimento, tenho a alegria.
Não sou o desencontro, sou a estrada da procura.
Não sou a guerra, sou efémero para ver eternidade nas armas.
Não sou a morte, sou o “Quixote” perdido nos moinhos da vida.
Não sou a constatação, sou a descoberta.
Não sou a imagem sou o reflexo.
Não sou partida nem chegada sou a ponte.
Não sou o objecto sou o sujeito.
Não sou o filme sou o espectador.
Não sou o livro sou a estante.

Talvez, não sei! Não sinto ser capaz!
Não sou nada e por vezes sinto que o sou o tudo que faz um nada único. E é nesses lapsos de tempo, os poucos em que me engano acreditando, que as vozes que me impelem a construir vêm como as marés, trazendo para a areia o sargaço da dúvida. E nesses momentos construo, não esse edifício onde querem que seja rei sem trono, mas uma jangada de sonhos onde me lanço ao mar desta solitária escravidão chamada escrita.
Resta-me esperar que todas as vozes que em mim ecoam, e todas as outras que em mim gritam, um dia consigam transformar a minha cabana de infinita ignorância num edifício que se ergue nos céus da imortalidade.
Talvez, não sei!
Entre a dúvida acompanhada e o acreditar em silêncio, existirei!
Quem sabe um dia serei capaz!

28-07-2009






A minha alma agoniza
Numa cela confinada
Quer sair, ser na brisa
Pelo vento acarinhada

Isolada em quarto oposto
Às paredes onde habito
Com lágrimas no rosto
Solta amordaçado grito


Grito de quem desespera
Para me ter a seu lado
De quem sabe que na espera
É sangue de corpo emigrado

A minha alma quer partir
Encontrar outro abrigo
Quer ser livre, se evadir
Viajar sem estar comigo

Nas águas de qualquer rio
Deseja um novo baptismo
Servir qualquer senhorio
Que não reze ao quixotismo

Caminha descalça de tudo
Vagueia em estrada sem fim
Sente o seu corpo desnudo
Vai nua sem roupa de mim

Tem frio mas não se tapa
Tudo dela está ausente
Clandestina e sem mapa
Treme em pele que já não sente

Às estrelas do firmamento
Confessa a esperança no dia
Desse novo renascimento
De quem morre na utopia

E nesta aparente calma
De quem pensa que viveu
Por cada lágrima da alma
Sofre ela, sofro eu

Tenho vida e muita história
Dei passos em cada estação
Mas não encontro memória
De não ter paz sem razão

Vivo efémeros sentimentos
Sou um clone de alguém
Tenho inúteis pensamentos
Sem alma não sou ninguém

Sou mendigo em viagem
Não tenho sabor de vitória
Não suo qualquer linguagem
Não vivo qualquer glória

Sou um desesperado refém
Duma máscara de momentos
Para mostrar-me a alguém
Ocultando meus tormentos

Sou o rosto da perdição
Ignoro quem me reclama
Em cada comemoração
Sabor amargo sem chama

Sou esse rio escondido
Que por momentos secou
Sou esse jardim despido
Que o vazio conquistou

Sou um rei sem trono
Amo de gente muda
Sou coração sem dono
Mente que pede ajuda

Meus olhos não queriam ver
Quem sem mim está perdida
Que sem ela sou um ser
Sem razão para dar à vida

Resta-me a consciência
De saber que na verdade
Sem alma a minha existência
Não dá passos em liberdade

Este amor não tem idade
Nem porto nem estação
Tem uma única verdade
Corpo e alma em união

Ecos de um só grito
Partamos à aventura
No fim veremos escrito
Na lápide da sepultura

Fomos maestro e melodia
Corrente e acorrentados
Fado, ópera ou sinfonia
Pelo amor sempre tocados

24-09-2008



Hoje acordei, e como quase sempre é normal, com vontade de dormir. Cumpri todos os rituais que sempre acompanham cada manhã, cada nascer do sol, cada despertar de voz dormente. Espreguicei-me tantas vezes quantas o meu corpo pediu, enrosquei-me e bocejei vezes sem conta. Agarro o relógio com mãos ameaçadoras e olhos que suplicam clemência. Desejo mais uns minutos! Cada segundo é importante! E contra a tirania de um relógio que não atende as minhas preces e recusa clemência concedo-me esse privilégio.
Claro que pensei! Como penso todos os dias, na irresponsabilidade de utilizar um tempo que não é meu, que vendi mendigando uma liberdade que hipotequei, na esperança de um dia poder voltar à casa de penhores para a ter de volta. Claro que pensei! Como penso todos os dias, na beleza que me espera lá fora, que "um minuto de olhos fechados são sessenta segundos de luz perdida". Pensei nisso tudo! Mas não abri janelas, o sol continuou a ser apenas um fio entrando pelas frestas que não consegui fechar, e continuo escondido nesses lençóis que quando fogem de mim, procuro como a sofreguidão de um condenado à morte vivendo os seus últimos momentos.
Levantei-me quando já não podia mais aturar a minha consciência, que não se cala, que grita uns sons inaudíveis que conseguem penetrar bem fundo, no corpo de um animal em estado de hibernação. Levantei-me com essa lentidão característica de quem deseja deitar-se outra vez, mas já não existe retorno! As minhas pernas conduzem uma alma sonâmbula para o primeiro contacto com a água fria de uma manha como qualquer outra.
O meu corpo e a minha alma são o único vestuário que me identifica, mas coloco em mim roupas tipificadas que nos pintam de inteligentes e credíveis aos olhos do mundo. Essas roupas nas quais nem me revejo, e que me fazem sentir uma alma negociada a desfilar na vida, com traços desenhados pelos escultores do barro mais impuro da humanidade.
Saio para a rua e sou mais um no meio de uma cidade em movimento, elemento de um espaço onde ecoam sons de histórias de mundos paralelos, dimensões diferentes numa interacção continua. Vejo caras que nunca chegarão a ter nomes, mas é assim! Somos reféns de uma indiferença sem sentido e somos mestres na arte do silêncio. E eu, simplesmente mais um! Não busco outros olhos, não estendo as minhas mãos e se alguém que me sinta passa por mim, não vejo, não estou lá, estou de passagem! Continuo o percurso escrito no livro que me serve de guião ao papel que interpreto todos os dias.
A minha anatomia segue o seu automatizado percurso, seguindo – isso sim – uma lógica diferente da minha alma. Essa ainda caminha na neblina, descalça, sentindo o chão e tropeçando nos degraus do esquecimento. Desfruta do seu anonimato, e perde-se na vastidão do silêncio que o seu hospedeiro experimenta. Não se excita na monotonia, no tédio mundano, não tem luz e ainda aproveita a sua sonolência na escuridão e vagueia perdida no supremo prazer do nada.
E chego ao "teatro", começa o PRIMEIRO ACTO.
Papel em cima de uma secretária. Papel sem cor, sem alma, sem vida, sem história sem marcas de lágrimas ou alegrias, qualquer coisa que interesse experimentar e recordar mais tarde. Ali estão! Acumulados pelos dias em que para eles olhei, lhes disse olá, mas nada fiz. Chegam outros para na maior parte das vezes seguirem o mesmo destino. Ficarem inertes até esse momento em que mereçam esse ritual sagrado, que tanto me agrada, de lhes dar o eterno descanso. Quatro horas em frente a uma máquina que condiciona uma parte importante da nossa vida. Gasto os dedos, os olhos, o corpo, a paciência a imaginação e ainda só interpretei o primeiro acto. Almoçar, esse período de liberdade condicional que usamos para umas palavras trocadas sobre este e aquele, sobre o tempo que já não é tão previsível, sobre as estações do ano que um dia teremos que redefinir. Sobre as tradições que são memórias de quem já viveu o suficiente para delas se lembrar. Sobre a violência que assola este país de brandos costumes e a corrupção que nos deixam conhecer. Sobre aquele desgraçado que morreu, mas com seis tiros! Não fosse o infeliz ter sido alvo do esvaziar de um canhão de uma arma raivosa não seria notícia. O tempo que desperdiçamos num filme que nunca terá o nosso nome e nunca fará parte da nossa história. E entre mais uma discussão sobre futebol, uma anedota, que para gáudio de um tradicionalista ainda é sobre alentejanos, e qualquer ironia sobre mulheres, surge o som dessa campainha que nos avisa que vai iniciar o SEGUNDO ACTO
É tempo de cumprir mais quatro horas de pena na "solitária". Repete-se o enredo, talvez tenhamos a sorte de ver novos figurantes mas a história, terá os mesmos actores, o mesmo publico, o mesmo monótono ritmo, algo entre a sonolência de Fassbinder e o tédio total de alguns novos filmes portugueses, mas com uma diferença! Com justiça para os anteriores, o final será, mais uma vez previsível.
E eis chegado o momento do fechar da cortina! Sem glória, não aplaudo, aliás ninguém aplaude! Comemoro o seu final sem ruídos nem euforias que possam ser visíveis, mas com a alegria infindável de quem é outra vez dono do seu tempo. Terminou a peça por hoje! Amanhã o teatro abrirá outra vez e tudo se repetirá, mas por agora volto a ser amo e pajem de mim mesmo, é tempo de colocar a minha natureza onde ela chora para estar, do sublime encontro entre a alma e o corpo, tempo de liberdade,
TEMPO DE UM NOVO DESPERTAR.
Sentia-me um náufrago, um poeta sem poesia, um intruso numa vida alheia que invadi porque sou um vendido. Perdido entre a necessidade de viver um tempo que não se repete e a necessidade de voltar a sentir a chama dentro de mim. Prisioneiro das saudades do “ontem” vivido em liberdade e do “hoje” que sonhei no “ontem” livre.
Prisioneiro desse sentimento frustrante de quem deixou escapar por entre os dedos o dia de hoje, porque nunca o conseguiu ter entre mãos.
Parece que acordo de um sono que nunca experimentei, no qual vivi uma vida que nunca existiu, soletrei palavras que nunca chegaram a ser escritas, sofri pensando que sorria, brinquei de estátua com movimentos, cantei canções sem melodia, escrevi o que não foi lido, plantei o que nunca sairá da terra.
Desta vez “desperto” sem dificuldade, porque por mais cinzento que o dia posa ter sido até este momento, ele ainda poderá ter a cor que eu lhe desejar dar.
Levanto-me da "cama" onde "dormi" sem pedir licença ao corpo, sacudo a areia dos farrapos que me cobriam e me asfixiavam e guardo-os para a próxima sessão. O sol parece mais reluzente, volto a sentir o perfume das flores vindo do jardim e consigo escutar o cantar dos pássaros.
Um novo dia acaba de nascer!
Encho meu coração de esperança, sou invadido por uma paz que pinta de todas as cores as paisagens que agora sou capaz de VER e deixo-me voar neste novo dia que será depositário de todos os sonhos que lá couberem.
A minha alma finalmente soltasse do espartilho de valores que não sente, vomita a indiferença, está viva! E em todas as faces existe agora um rosto, um sorriso um nome.
Acabou de passar um tempo que não se repete que passou enquanto desejava outro. Mas não importa! A alma não envelhece, adormece por vezes, mas desperta num qualquer momento do dia. A minha acabou de despertar, para a vida para a morte, para o azar ou para a sorte, para tudo e para nada, mas exclusivamente para MIM.

18-09-2008


Caminho….
Não tenho um pedaço de terra com sementes minhas.
Passos decididos em direcção incerta, pintam um quadro abstracto atrás de mim.
Dou voltas no mesmo espaço e só encontro vestígios dos passos que já dei, como quem inverte o sentido e regressa ao que já foi.
Não existe definição de mim,fato que me caiba, canção que me cante, chavões que me carreguem!!!
Que me importa!
Se no indefinível estará o melhor que de mim fale.
Esse que quero conhecer pondo-me à prova, submetendo-me aos trilhos da realidade!
e por isso,
Caminho…

Regresso antes de partir
E parto, antes de chegar!
E quando me canso, Paro!
Escuto vozes externas, escuto vozes internas…
Escuto todas as vozes!
As que quero e as que não quero e compreendo:
- Pior que um destino incerto, é a incerteza de destino nenhum.
E o que faço?
Atalhos? Todos!!!!
Becos? Outros tantos!!!!
Bagagem? Lembranças!!!
Direcções? Todas!!!!!!!
As que desejaria tomar, tomo!
As que não desejo…. Tomo na mesma!
Como não vou à procura de nada, e ao encontro de tudo,
todas as direcções são boas.
Penso!
Não encontro uma razão para ficar.
Parto!
Caminho….

Sou esse, sou aquele
Sou o que quiserem!
Parte de mim ou pedaços de qualquer outro.
Mas sou! E como sempre desejo estar e partir.
E quando chegar, sei que sentirei que o melhor mesmo é regressar.
Não tenho a batuta de qualquer simples certeza.
Chego e não encontro nada que me faça, que me construa.
Regresso.
Esqueço. Não penso.
Para quê pensar, se quando começo já não estou no mesmo sítio?
A minha sombra quer ser serva de outro amo.
Evado-me,
Saio de mim
Caminho…

Analiso: Afinal não sou o único sem norte.
Os caminhos que pensava ter desvirginado com os meus passos,
estão impregnados de pegadas de gente como eu….
Ou mais perdidas que eu!
Descubro.
Não estou só!
Não sou o último dos últimos, nem o primeiro dos primeiros.
Sou mais um no meio de uma procissão silenciosa,
sem velas, cânticos ou heróis,
vencedores ou vencidos!
Simples caminhantes cuja única fé é … Caminhar
E por isso,
Caminho…

Trajectórias!
Curvas, rectas, círculos, diagonais, elipses,
Eu que sei!!!, a ter uma,
Infinito.
Aventureiro sem mapa, sem bússola,
Norte, sul, este, oeste…
O mundo é o palco!
As estradas: o objecto!
Estar perdido: o ópio!
Partir: o sonho!
Encontrar-me: a alquimia!
No meio disso, tudo e nada.
Sublime sensação.
Ter o céu como telhado,
O mundo como casa,
Ser dono do destino, e não ser dono de nada!
Viver do que a vida oferece - entre a calma e a pressa,
o barulho e o silêncio -.
Para que servem os caminhos se não para serem
trilhados por caminhantes como eu?
Corro atrás do que nem sequer sei,
do que, quiças, nunca encontre.
Sigo em frente.
Pedras no caminho - como diria Pessoa - "…guardo todas!
um dia vou fazer um castelo…" .
Não sei se o meu será feito de pedras se de sonhos forjados nas paisagens trilhadas pelos meus passos,
enquanto,
Caminho…

Caminho enquanto quiser, enquanto puder.
Não quero saber de profetas iluminados,
que se dedicam a apagar as marcas de passos,
que nunca terão a coragem de dar.
Gosto dessa ignorância genuína, que se aventura nos espaços,
e aprende perdida nos becos de liberdade.
Caminho porque sou de mim ignorante,
porque qualquer que seja o meu destino, será descoberto a andar.
Parar!
Pararei! Sim pararei, quando a vida me obrigar!
Até esse momento,
e apesar da minha única certeza ser a incerteza
de ter alguma , sei que,
Meu destino é meu CAMINHO.

31-07-2008


Tenho-te aqui, para mim, a tempo inteiro, neste espaço como qualquer outro, mas especial para nós. Um lugar sem mascaras, sem tabus, onde libertamos a mente e o corpo, onde abríamos a nossa alma aos sonhos e nos deixamos invadir por sensações que experimentamos sem hipócritas vergonhas, falsos pudores ou dispensáveis medos.
Tenho-te aqui, perdida nessa fronteira entre consciente e inconsciente, de alma despida entregando-te a mim como te entregas a ti própria, enlouquecendo uma anatomia que não se importa com mais nada, com absolutamente mais coisa nenhuma.
AH! Se pudesses por um momento viajar em mim, entrar no âmago do meu pensamento, percorrer as minhas fantasias, nesse momento saberias! Não! Não quero a tua alma – esse ser invisível que nem sempre entendo –. Quero o teu corpo! Esse retiro de sensualidade, no qual renasço e com o qual sempre experimento o mais perfeito dos entendimentos.
Quero ser esse viajante que trespassou os céus, cruzou os desertos, enfrentou a profundeza dos oceanos, e agora descansa. Descansa sem pressa de nova partida, descansa num corpo que tocará como tocou as nuvens, que trespassará como trespassou os oceanos, que beberá saciando a sua sede como o fez nesses oásis que o mantiveram vivo no deserto.
Observo o teu corpo despido, prostrado nesse leito mágico onde se fundem as almas. Sussurras algumas palavras num tom suave, pausado, não escuto, mas os meus lábios fazem esses gestos de quem tudo entendeu (sorrio para ti), mas continuo com os olhos fechados, imaginando-te como se não estivesses ali, procurando-te no infinito, sonhando-te antes de te ter. E nessa clarividente cegueira, fundo-me no teu corpo com a mesma intensidade com que o sol aquece a madrugada, perco-me na tua pele como uma frágil abelha se perde à procura do mel nas pétalas da mais preciosa flor. Fico sem reacção quando me tocas como quando somos apanhados por uma tempestade inesperada que nos imunda até a alma. Percorro as tuas entranhas como um rio que desagua no mar e nele se funde como parte de um todo inseparável e sou essa peça de um puzzle que encaixa perfeita nas outras, sem espaços, sem brechas por onde possa passar um pequeno raio de luz.
Abro os olhos, e vejo o teu corpo, sou invadido por essa necessidade de partir, de cruzar essa ponte entre a angústia e a evasão. Iniciar essa viajem onde esquecemos o tempo lá fora, esse tempo que agora é o ritmo dos meus dedos deslizando sobre a tua pele macia, das palavras sussurradas, da paixão que flúi de um ser para outro ser, de energias que se esgotam lentamente no interior de dois corpos.
Tomo-te minha. Elevo os teus seios a colinas, onde o prazer se reclina dócil e desço as minhas mãos suavemente no teu corpo trémulo, ofegante, que se entrega numa rendição Incondicional nesse espaço de suada eternidade. Deixa-me perder-me devagarinho na maciez do teu corpo como se entrasse num palácio forrado da mais fina seda. Sente os aromas do meu desejo a impregnar todos os pontos que toco do teu corpo. Quero sentir a implosão do universo nessas paredes que tremem e pulsam como se conquistadas por um exército silencioso. Serás minha nesse vislumbre de infinito, e nesse momento parado, sem tempo, seremos: conquistador e conquistado, rei e servo, vencedor e vencido, senhor e mendigo, predador e presa, singular e plural, tudo e nada, todos os seres do mundo e apenas nós.
Arranca-me às minhas próprias entranhas para te verter nas tuas, como o fruto que penetra na terra feita semente de todos os inícios. Toma-me! Liberta-te em mim como se todos os teus átomos se desagregassem no teu grito de libertação, descanso desta guerra confinada a esse exíguo espaço onde só existimos tu e eu e o desejo de esquecer a realidade lá fora.
Dá-me! Sim quero receber o que de mais belo me podes dar. Liberta-te! E descansa com o que de melhor existe em mim percorrendo as profundezas do teu ser. Entrega-te, e abraça-me no teu grito, porque nesse momento eu serei a noite última e primeira do teu destino, o teu verso de eternidade, o teu silêncio de liberdade o teu instante de profunda paz.

Não! Não vou partir, não vou escapar deste leito encharcado onde descansamos. Quando o teu primeiro suspiro se pronunciar suave pela manhã, partirei, levantarei a âncora das memórias do vivido, mas será tarde demais, estarei para sempre prisioneiro da esperança de me perder outra vez em mim mesmo e em ti.

29-07-2008


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