Nas garras de uma alma ditadora vou em direcção a um destino que é meu, enquanto eu não sou o meu destino.
Começo a sentir o meu corpo a esvaziar-se de vida.
Estou de partida, ausente de mim, passageiro clandestino despido de tudo que lhe possa dar um nome. Sou outra vez turista dentro da minha própria cidade, vagabundo em esquinas com ecos da minha história. Deixo-me levar pelos caudais de um rio sem corrente, numa noite onde tudo é permitido.
Sim! Vou partir.
Viajar no passado e no futuro, para onde quero e com quem quero – sempre agradecerei ao sonho e à poesia essa liberdade –. Vou reaver sonhos acabados e inacabados, tentar parar o vento com palavras que, quando consciente, guardo para mim.
Não tenho qualquer certeza, mas agasalhado em incertezas já sinto o calor das palavras que sempre roubo ao abraço da noite. Estou na fronteira, cumpro os formalismos necessários, bebo o veneno da escravidão, e deixo-me adormecer ao som do “requiem” do condenado. Parto!
Já sinto a poesia...
Por momentos vou viver, com cegueira consentida
Vou deixar-me adormecer, para dar à alma vida.
Ausento-me do meu corpo, sem tempo para entender
Porque rasga o sentimento as entranhas do meu ser.
Vou dizer tudo o que penso sem poder pensar o que digo
Vou rasgar o meu sentimento com tempo para estar comigo.
Na escuridão eu vou ter para os olhos doce luz
Vou morrer para ver nascer o que o sonho produz.
Nestes sonhos vou dizer onde descobri o norte
As forças que venceram cada dia a minha morte.
Mas é assim!
Sempre carregarei uma alma que para explodir de vida, necessita do meu alheamento temporário.
Uso esse tempo para apreciar o belo, o único, todas as manifestações grandiosamente simples de uma eternidade que nos precede e que ficará depois de nós. Sou explorador desse território acidental chamado de ser humano. Essa realidade finita, que na ilusão da sua existência, na ambição egoísta de ser qualquer coisa diante da superior importância do universo que o criou, quer matar a sua pequenez tentando levantar-se, ser alguém!
Quando nascemos, devemos com humildade, assumir a nossa insignificância. Nesse preciso momento, ajoelhamos perante o mundo e a este nos submetemos morrendo a partir daí. Não entender isso é abrir as portas ao constante desespero com a nossa condição de efémeros.
Compreendi!
É o facto de sermos mortais que nos veste de originalidade, que nos explica, que nos faz apreciar cada segundo em que a beleza se manifeste.
Agora que sou condenado a um sono diferente, grito!
Grito as últimas palavras e deixo-me adormecer lentamente.
Aceito! Contradigo-me!
Faço a apologia da vida e entro na escuridão sem esboçar qualquer resistência.
Que posso eu fazer?
Se nesta noite consentida experimento o que de melhor me deram os meus dias. A minha alma conhece-me bem e aproveita-se disso. Prepara-me a ratoeira com o meu queijo preferido e faz-me deambular em mim até ao momento em que não resisto mais e me delicio com esse alimento libertador.
Neste leito onde descanso de mim e do mundo, os meus olhos assimilam uma luz que chega como relâmpagos, flashes de uma vida submersa mos mares longínquos e profundos da memória.
A minha alma vai para a rua num domingo primaveril, fala! Comigo ou para mim, para outros ou com outros, mas não a escuto!
Ela assim o desejou.
Tapo-me de alegria, de saudade, de mentira de verdade, cubro-me pela vida, para a vida, com a vida.
Em cada sonho um porto, cada porto uma lembrança, cada lembrança uma esperança, cada esperança um poema.
Sou soldado que não enfrenta o inimigo, mas este ao dar o seu passeio triunfal no campo de batalha, não terá um único espaço que não esteja coberto de palavras escritas com o meu sangue.
Sangue com o qual construí, palavra a palavra, um hino à amizade pura, ao sorriso que liberta, ao erro que é preciso, ao amor ou desamor, a tudo o que à minha passageira eternidade dá cor.
Nem sempre toquei a lua com os sonhos de criança
Mas dei nome a uma rua, chamei-a de esperança.
Tive sonhos conquistados, tropecei sem dar por isso
Tive sonhos derrotados, mas vivi apesar disso.
Cada dia ao despertar foi ser que enfrentou a natureza
Um dia com coragem, outro como mendigo à mesa.
Chorei lágrimas de saudade, sorri com o coração
Fiz versos de liberdade, pinturas de escravidão.
Comi a comida dos ricos, provei o sabor dos pobres
Caminhei com proscritos, estendi a mão a nobres.
Sofri com a desilusão de gente de alma ausente
Injustiçado sem razão, perdoei humildemente.
Errei por ter arriscado, ser ermitão sem ermida
Mas errar é um pecado, cujo perdão é a vida.
Por vezes alma indefesa, tantas vezes lutador
E se num dia foi presa noutro foi predador.
Admito agora que sempre tive um objectivo
Recusar-me a existir, sem nunca me sentir vivo.
Tive ânsia de experimentar, recusei viver esperando
Vivi! E agora posso contar, o que aprendi caminhando.
Sinto que tenho em mim todos os passos do universo. Saio para a rua, para o mundo, de dentro de mim ou em mim, mas saio! Sou criativo, diverso, planto uma arvore…ou duas…e erro até ao limite da inconsciência.
Errando consegui ver o lado estrelado das coisas, esse lado eterno que sempre quis fazer meu. Arrisquei viver e por isso errei até à exaustão. Errei mais por não desejar o erro de nunca ter errado, por saber que a sua inexistência é ausência de vida.
Não! Nunca senti qualquer arrependimento, seria estúpido sentir isso! Como se o tempo pudesse voltar para traz.
Errar é a consequência da nossa loucura, mas quem a não tem, ou está morto, ou é completamente louco.
Quem está vivo cai! É impossível viver sem saber como cair, e por isso errei! O suficiente para quando senti a lama na face, voltar a vestir aquela roupa acabada de comprar que sempre me faz sentir uma pessoa nova.
Viver é uma outra forma de conjugar o verbo errar.
Conjuguei-o em todas as suas formas.
O dia em que ousar pensar deixar de cometer erros, ou o meu corpo vegeta, ou a alma que o alimenta entrou nessa sonolência vivida por quem se cobre com o manto da vergonha no crepúsculo da desilusão.
Embebedemo-nos de vida e erremos como um desvairado borracho para quem tudo é possível. Quem nunca ousar enganar-se, nunca experimentará a doce melodia de ter acertado. O engano é necessário porque o acerto é imprescindível.
Se algum dia encontrárem alguém que vos diga que nunca cometeu um erro, não percam a oportunidade de lhe perguntar como é viver no paraíso.
Aprendi que nesta vida, o erro a ninguém pára
Apenas abre uma ferida que o próprio tempo sara.
É mestre clarividente, chegada e despedida
É diário confidente, em cada nova partida.
Ouro que não se esgota, riqueza feita memória
De quem arrisca a derrota, morrendo pela vitória.
Estátua de sangue erguida a quem nunca esqueceu
Que só não erra na vida quem nunca nela viveu.
E quem pensa que do erro, já teve sua parte na vida
Está morto, ou o seu enterro, vai descendo a avenida.
Tenho amigos porque os amigos são comemoração.
São flores plantadas no nosso caminho, para que dele façamos uma constante primavera. Uma porta sempre aberta quando todas as outras se fecham.
Na amizade existirá sempre a poesia muda, a eternidade num momento sem razões que a razão entenda.
Um problema partilhado numa confissão libertadora, felicidade transmitida ou desventura compreendida. Distâncias encurtadas numa negação exigida, beijo adormecido num abraço sem mais nada.
Um amigo é um segredo de boca em boca contado, muitas vezes esquecido, mas tantas vezes lembrado. Um jardim, um refúgio numa longa caminhada, semente plantada nas areias do deserto, que cresceu e se fez árvore para apoio de tudo o que em nós é incerto.
Não tem defeitos nem virtudes, existe! Não precisa dizer quem é, apresentar-se. A sua impressão digital está gravada na nossa alma. Falando ou em silêncio, na luz ou na escuridão, na presença ou na ausência, será sempre a página mais gasta do livro da nossa vida.
Aquele que desconhece que foi o nosso ponto de apoio, leme, ar, contradição, critica e elogio. A outra asa do anjo que voa no nosso corpo, tudo o que nos resta, quando já nada nos resta.
Que aparece quando o nosso coração precisa de ser trespassado pela lança da crença. Quando sentimos a necessidade de ser amados pelo pobre que somos, pela nossa perfeição imperfeita.
Não é luz que guia por estar um passo á nossa frente, é a outra sombra da nossa sombra, porque caminha ao nosso lado. Que nos faz valorizar as estradas já conquistadas, já percorridas, e entender com humildade os caminhos por desbravar.
Um dos objectivos mais importantes que temos na vida, não é poder ser o que somos, mas sim o que podemos vir a ser.
Quem sozinho caminha nesta direcção pode até chegar mais rápido, mas quem caminha com amigos, chegará, nesse desígnio, muito mais longe.
Aprendi que a amizade não escolhe coração
Que para ser de verdade nasce e vive sem razão.
É um constante partir sem precisar de estar
É viajar sem sair é um constante chegar.
Não necessita presença é um nada que tem tudo
É superior à ausência é um belo filme mudo.
É sentimento que perdura aroma que paira no ar
É vida, sonho, é ternura, é um ter sem esperar.
É silêncio em lugar incerto, palavra em espaço trocada
Abraço de coração aberto, momento sem mais nada.
Sorrio!
Quando alguém me oferece o que de mais precioso tem na vida – o seu tempo – expresso o meu agradecimento com algo tão puro e genuíno como um sorriso de ternura.
Não deixo que se note na minha face as marcas das lágrimas que não choro.
Sorrir é a marca de uma alma livre, brilho de um coração que arde em felicidade cuja chama se reflecte na face.
É a manifestação da abertura do jardim da nossa alma para a beleza da vida. Que a nossa boca seja essa estrela que brilha e ofusca no firmamento infinito, em todas as noites que alguém necessitar de um farol no horizonte longínquo. Que a nossa boca seja uma flor que desabrocha todos os dias para conforto das solidões, esperança no desânimo, consolação da tristeza.
Nunca seremos tão ricos para desvalorizar a sua importância, nem tão infinitamente pobres que não possamos experimentar a sensação de dividir um.
Não se compra, não se empresta com ideia de retorno ou rouba por inqualificável inveja.
Vale tudo nesse preciso instante em que o oferecemos livremente, e no dia que alguém o recuse, sorri outra vez! Porque não existirá ninguém mais necessitado de um sorriso do que aquela alma que ainda não aprendeu a importância de sorrir.
Dá-me esse sorriso que pensas que para ti não te serve de nada, mas que explodirá na minha alma, como força redentora para voltar a acreditar em tudo o que em mim já morreu.
Um sorriso é brincadeira da alma
Poesia dum coração em esplendor
Reflexo de um ser livre, em calma
Com o mundo e com o seu interior.
Expressão de humildade confiante
Reflexo de paz com genuína alegria
De quem conscientemente ignorante
Sabe que sorrir é prova de sabedoria.
Conforto que se concede ao momento
Poesia que pode mudar uma vida
Gesto de quem não afasta do seu pensamento
Que nada mais é preciso para sarar uma ferida.
Melodia que o corpo sempre acalma
Forjado na verdade é magia vitoriosa
Terapia para conforto da alma
Bala perdida da arma mais poderosa.
Sou o início de todos os meus inícios e iniciei-me tantas vezes quantas as que amei.
Amar!
Poesia construida de versos nascidos sem qualquer explicação. Conquista feita ao finito no infinito. Invólucro da alma, sangue de um corpo em direcção à eternidade.
Amar!
Hino tantas vezes tocado por melodias de incompreensão, mas quase sempre, proclamado como o mais sublime dos sonhos de um ser findo na sua condição. Poesia e prosa de um livro em constante elaboração. Caminho inevitável de quem deseja ser chegada de outra qualquer partida.
Amar!
Sentimento que tanto revigora como nos enfraquece, prisão e liberdade, segundo e eternidade. Vontade desinteressada de ser, pertencer, completar e completar-se.
Tudo o que carrego na mão que não sendo meu, é de mim o que melhor possuo.
Completar-me em outro, sem que o outro seja meu e eu lhe pertença.
Amar!
Mar imenso, intransponível, forte e avassalador, cuja beleza nos encanta, mas também nos afoga de dor. Renúncia da razão! Quem ama sabe que ama e não tem que encontrar para isso qualquer explicação.
Amar!
Guardar as máscaras que carregamos, e deixar que pintem um retrato de inocência com as cores da nossa verdade despida.
Sentimento que não se inicia num eclipse de vidas, mas no exacto momento em que outra vida passa a existir dentro da nossa.
Amar!
Desejo de permanecer, existir, viver e ser, parte de outra parte nesse momento chamado “sempre”. Um perdão num abraço, numa carícia num toque de pele. Gostar sem maquilhagem, de robe de chinelos e não imaginar um futuro vestido de outras roupas.
Amar!
Ausência dos olhos, presença no pensamento. Desejo, paixão, união, sexo, esse imenso beijo que não cabe na dimensão do corpo.
Mas agora que pretendo escrever sobre algo que nunca viverá de palavras, e a elas sempre será superior, paro!
Invade-me uma cruel tristeza.
Quando começamos a explicar o amor, entendê-lo, defini-lo, somos vítimas de uma irónica certeza!
Não amamos!
E por isso, Silencio-me! Quero permanecer na incerteza.
Amar!
Viagem sempre sonhada em cada estação da vida
Tantas vezes uma chegada, outras tantas, uma partida
Um reino sem soldados, terra sem qualquer dono
Onde todos são escravos, reis e rainhas sem trono.
Felicidade acompanhada, paz completamente a sós
Sentir o coração apertado, mas dar mais força aos nós.
Morrer em tudo o que nos fez, esquecer o que sabemos
E voltar a nascer outra vez, no outro em que vivemos.
Olhos que não querem ver, beleza noutra presença
Que só se abrem para o ser, que lhes dá a sua essência.
Regresso agora de tudo o que vivi sem nunca lá ter estado. Desse abandono do tudo que penso ter, sem nada possuir. Mudo de reino, acabou o eclipse, resgato o homem caído, a criança pintada de sonho, o animal feito presa. O anjo renasce, já sente o troar das trombetas que anunciam a ressurreição. A criança sai para a rua e brinca com o seu peão, o homem já luta pela sobrevivência, procurando nos despojos pedaços de um corpo esquartejado.
Construo-me!
Já me sinto e a minha alma já me consente. Sou outra vez causa e efeito, razão e coração, e lavo-me da camuflagem da sanidade insana da minha consciência.
Como posso ter esta triste e infame ilusão, esta crueldade desnecessária de pensar que posso escrever? Como consigo ficar sereno quando pretendo roubar palavras à vida? Sei que não o faço por ser um vulgar marginal, mas porque não resisto à sua beleza.
Sou um doente! Um condenado que paga o seu crime com o sangue que derrama palavra a palavra, verso a verso. Aceito o meu carrasco e mato-me, em cada segundo, em cada hora, em cada dia. Mas sou livre nesta escravidão e "morro"! Sim "morro"! Mas por mim, à minha maneira. A única que admito, porque de outra forma nunca viveria!
Não tardará que sinta outra vez o doloroso abandono da vida, que meu corpo seja saqueado e esquartejado, mas não importa! Enquanto vítima de uma insana alma, sei que em cada renascer doloroso construo-me e sinto-me sempre, sono a sono, sonho a sonho, muito mais perto de mim.
Em tudo que aqui digo, tudo ficou por dizer
Mas esse é o meu castigo, por ter ousado querer
Escrever da vida conceitos, que só poderão nascer
Em quem sentir seus efeitos, por ter arriscado viver
Nada mais consigo escrever neste meu despertar
Outro dia o meu corpo dormirá para a minha alma sonhar.
Sonhos de vida e de morte, sonhos de caminhadas
Onde o azar e a sorte andam sempre de mãos dadas.
A curiosidade é a autenticidade no meu conhecimento
Barco de liberdade com velas que no infinito têm seu vento.
E no fim sei por defeito, que o facto de estar satisfeito
Poeta de mim não faz!
Agora que já me ilumina a luz que alguém para mim fez
Leio o que o sonho produz e quero adormecer outra vez
Voltar a sentir a paz que essa escuridão me traz.
Amanhã voltarei...Em "morte" consentida ou na vida permitida.
Eu que sei!
Toda a minha vida assisto ao domínio do meu corpo pela mente, mas no fim da minha história, serei subjugado à tirania do corpo.
Por isso agradeço esta alma que carrego e que tantas vezes me aniquila.
Agradeço porque sei! Quando de mim ela for fardo, já não serei nada, terei partido para a uma viagem de onde nunca regressarei.
14-11-2008
By Placido De Oliveira on terça-feira, agosto 25, 2009
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