Derramem sobre mim a terra do mundo! Que me importa! Continuarei sempre renascendo na flor que brotará corajosa do meu descanso. Não permanecerei no silêncio da bruma, terei dias e noites de alma cativa, terei dias e noites de alma livre.
Poderei sentir a face fria, mas sei que o meu lugar é nos canteiros floridos absorvendo a luz do sol. Antes que a terra me pise, deposito a esperança nos cantos das sereias, e deixo que me conduzam pelos mares do imprevisto. Desfaço os encantos da poesia nas roupas gastas de acarretar o mundo as costas, e parto para momentos de fino cetim forrado com conchas azuis dos mares da descoberta. Como controlar a emoção que antecede a novidade, o imprevisível a surpresa? Como! Se ela é o ópio que desperta todos os desejos que me proíbo e todos os que ainda desconheço não querer proibir. Lanço-me nesse infinito que talvez só dure o segundo entre a ilusão da chegada e o abismo da partida. Mas sempre será assim! O medo do abismo não vem por estar quase sempre seguro o ”fim” no estilhaço da queda, mas pela atracção que temos ao voo livre. E aqui estou, flutuando no espaço com todos os receios e pânicos que a ausência dos pés na terra me causa. Sempre sonhei voar, em criança era pássaro veloz de um céu imaginário do qual nunca queria sair. Hoje aventuro-me nos céus porque nada tenho por certo em terra. Tudo o que vou sabendo é o resultado da ousadia de sair do refúgio da minha ignorância para o imprevisto do conhecimento. E aqui estou! Com o peso dos meus ossos nas planícies do inesperado. Sinto o vento na minha pele arfando em cada metro as dores que sempre esqueço no périplo dos inícios. Renego as leis do universo, as minhas leis! E chego a essa mesa de café num local sem história olhando ao redor como que buscando outras paisagens. Vendo ao fumo do meu cigarro a calma, empresto-lhe os pensamentos que rapidamente se desvanecem na brisa suave que entra por uma janela aberta. Não faz mal! Acendo outro com a mesma intensidade na sofreguidão da espera por ti. Explorador de terra virgem sentado num café entre o sono e o despertar. Monto o espaço com todos os requintes de um altar divino para o momento sagrado. Observo as paredes, observo os recantos, observo! Nada! Versos mortos nas paredes não contam histórias de noites com o romantismo do canto dos anjos. No silêncio que antecede a euforia do encontro, formulo a eterna pergunta! Fascina-me a descoberta pela atracção do diferente, ou pela busca do encontro com o igual que existe em mim. Sento-me! Nunca terei a vida suficiente para explicar o que não compreendo, afasto o pensamento e espero! Não serás mais o encanto de um sonho, contornos que embalam pensamentos vencidos pelo sono. Tanto te esperei! Nunca te esqueci porque nunca acontecestes. Escrevo, escrevo-te! Cartas tatuadas em pensamentos calados. Sonhos de “ontem”, devaneios românticos do “amanha”. Nunca as lerás! São palavras perdidas nos corredores da antecâmara da sala de ti. Por um sonho voltei a este café com outros dele sairei. Agora permaneço! Morram todas as palavras, afaste-se o infinito, dispam-se os anjos venerem-se os demónios e que se inicie a festa. Deixo o abraço do sonho, abro a porta para a possibilidade ou impossibilidade do esquecimento, e espero-te…
II – O Encontro
A magia do encontro poderá ser aniquilada pela desoladora solidão que espreita no virar da esquina do “depois”. Não importa! Não tememos um “não “ a confusão de um “talvez”, ou a simplicidade de um “sim”. No fundo, talvez tudo tenha o sabor do nada. E tu chegas! Num passo apressadamente curioso. Beleza madura, olhos sem brilho, apagados por alguma tristeza de momentos roubados ao teu passado. E eis-me diante de uma mulher cujo vestido esconde suaves contornos. Um decote generoso anuncia promissoras guerras de alcofa. Ah! Janela indiscreta que nunca se abre o suficiente e sempre se fecha quando começamos a sentir a sua brisa perfumada. Chegas! Sorriso meigo e olhar tímido e sentas-te. No silêncio inicial absorvo metade do teu todo, essa metade que cobres num vestido de comprovada sensualidade, mas que desnudo como um pintor desenhando silhuetas.
“Dois cafés para a mesa do fundo” …
Maldito empregado descuidado com cheiro de salgados. Tinha matar o tédio que o assola, gritando aos quatro ventos que estamos ali. No eco da sua voz aguda senti o corpo trespassado pela traição. Maldito! Não entendeu que é cúmplice de uma missão secreta, e se devia comportar como testemunha involuntária de um crime, protegendo-se no silêncio. Mas não! Acaba com o disfarce com o anonimato. E eis que todos os olhos se dirigem para os nossos, como que procurando os responsáveis pelo aniquilar do silêncio. Não olhamos! Como desejamos que não fosse connosco. Na verdade não queremos estar ali! Simplesmente algo nos levou à mesa de um café em mais uma noite de todos os despropósitos. As mãos com suaves movimentos acariciam os cantos de uma chávena de café convertido na arena romana do deleite de todos os anseios. No fundo da chávena, o abismo! O voo solitário escondido em suaves golos de desassossego.
Maldito empregado!
Não entende que somos reféns do sentido de todos os sentidos. Que o seu grito automático nos faz sentir fugitivos de um “não sei quê” que sempre nos levará a um “não sei donde”. Vestimos a alma com segredos, perfumamo-nos de coragem envergonhada e carregamos o barco de palavras náufragos de pátria à vista.
- Olá! Como estas?
- Fala-me de ti?
- Que te leva a estar aqui?
- A história da minha vida em cinco minutos? Queres?
Penso! Mais umas quantas páginas da colectânea sobre a superficialidade.
E tu falas! Para quê? Eu não escuto. Nunca perceberás a preocupação que me invade em não te ouvir, em te alhear do espaço onde me tocas sem te sentir. Não é o desinteresse teatralmente interessado que mais me incomoda, mas esse grito interior que a indiferença gera nas asas do silêncio. Avançamos com alma assassinada ou de assassino tudo depende da ocasião. Esquecemos que o domínio da linguagem dá razão à arte de escutar, e falamos! Falamos porque nada mais nos resta! Temos que matar um tempo que nunca será nosso. Ah! Se pudesses fechar os olhos para ver, e com eles abertos conseguisses estar simplesmente calada. Ah! Se pudesses, saberias, que tal como tu, simplesmente fujo de mim, das minhas inquietudes. Desnatamos o leite da indiferença tentando coar o isolamento de consciências congeladas. Nada digo de mim, que interessa se ninguém escuta, se tu não escutas, se eu não quero escutar. Tu sabes que é assim e fazes o mesmo, mas dissimulas. Dissimulamos! Impossível fazer passar um icebergue pela peneira frágil do despropósito. Não interessa! Nada interessa! Seguimos. Subimos os degraus da escada do cansaço da inconsequência, vestidos de fantasias no palco da dissimulação. Dizemos o que as palavras calam, partilhamos o descartável, escondemos o essencial. Cada palavra, cada olhar, cada paragem para escutar são movimentos na periferia da caverna onde guardamos o quadro abstracto de mentes abandonadas. Subimos! Chegaremos cansados e iniciaremos o striptease atingindo essa desnudes vestida do que não somos. Partimos ao meio o uno indivisível da memória fugaz, e sentamo-nos na mesa de um jogo de “Poker” que não terá vencedor ou vencido, apenas jogadores compulsivos. Cinzeiros repletos de desvios da memória jazem com o peso de cigarros consumidos em pensamentos ausentes. Sorrimos para uma imagem sem reflexo. Colagens! Pedaços rasgados de jornais sem substância pendurados numa parede exígua, que nunca guardará memórias das palavras verdadeiras. Confidências, Nunca! A única coisa que te beija, que te sente a pele, é o fumo desse cigarro onde descanso pensamentos sobre todas as vozes de mim ausentes. Tenho que te fazer sorrir, porque o sorriso abre o agora e rende o depois. Sorrirás! Seguindo os meus sorrisos expressos em dentes convenientemente lavados, mas nunca terás o sorriso genuíno do brilho de uma alma que aprova o momento. Nunca saberei! Que brinquedos são a estrada do teu sonho. Que histórias te embalam. Se tens medo na noite e que braços te abrigam. O teu cheiro depois do banho e que champô te acaricia o cabelo. O perfume que te toca na pele, os sapatos que te crescem, a roupa que te liberta, o que te mata, o que te dá vida. Nunca saberei! Nunca arriscarei sentir que o metodicamente desejado, acaba por ser inferior ao que não quero que de mim fique ausente. Caminhos de ilusão percorridos por corações mortos que nunca terão o hino do uníssono. Rasgaremos as fotos que nunca tiramos das lembranças que nunca tivemos. Apagaremos os traços inscritos nos papéis em que momentaneamente escrevíamos mensagens estéreis, apagaremos a tinta de nós. Quais nós! Se quando a chávena estiver vazia talvez já nem nos lembraremos quem éramos, se fomos na realidade qualquer coisa? Entendo! Claro que entendo o quão frágil é o que nos une quando comparado com a imensidão do caminhos que nos separam. Claro que sei! Mas não digo. Continuarei até ao fim olhando as estrelas adorando a lua, como que fascinado por esse universo sem explicação. Cada estrela uma dúvida, o céu a vasta ignorância, a lua esse ponto onde me apoio num silêncio que corta o vazio que me perde. Ah! Se eu pudesse cinzelar nos memoriais da história a poesia do meu agradecimento à vida. Ah! Se eu pudesse colorir as cidades com os meus sonhos. Ah! Se me deixassem cimentar as estradas com a minha alquimia encher os caminhos com a beleza que sinto. Ah se me dessem as asas da liberdade de poder dizer ao mundo o quanto ele é belo aos olhos da minha eternidade. Ah! Se esse dia chegar não voltarei a este café.
III – A Despedida
Fixo o teu olhar. Sei que percorres as planícies da tua vida, que os sonhos te invadem. Que escondes as desilusões tidas que esquecestes para estar aqui. Teus lábios cantam movimentos de sensualidade e o teu corpo sintonias perfeitas com maestro à altura. Mas tudo é contido camuflado, metódico, matemático. Ciência no exacto palco do inexacto. A noite já vai longa, a lua já mostra lá no alto o seu sorriso para a humanidade. Cada gesto, cada respiração mais profunda muda a rota, abre uma janela por onde posso vislumbrar o céu. Consigo imaginar os anjos a cantar cânticos nostálgicos, árias de glorificante prenúncio de novo dia. Chegou a amanha! Não sei se chegará a mudança nos segredos apreendidos, mas deixarei essa janela sempre bem aberta para que o silêncio dos ecos desses cantos tudo me possam contar. Tantas perguntas sem resposta, tantas respostas sem perguntas. Mas já sabíamos que o enredo só teria a arte de perguntar e responder com as letras minúsculas da desconfiança. Abriste um pouco da “janela” do quarto dos teus segredos, mas eu só serei o vento que por ela passou. Não me conheço nos meus sorrisos, nos sons que calo, nas palavras que suo. Saio de ti sem nunca em ti ter entrado, saio! Nunca saberás que o meu “eclipse” é essa mulher ponte entre mim e a vida. Essa mulher que me faça acreditar num passado com futuro. Essa mulher feita de procura que em mim encontra. Essa mulher que faça de mim o sonho. Essa mulher que saiba o valor do amor por já ter amado, que tenha vivido para saber viver, sofrido para saber entender, chorado para saber perdoar, perdido para desejar dar, partido desejando em mim chegar. Não serás nunca tu! E eu nunca saberei o que me trouxe até aqui. Enquanto nos perdemos no sonho do ideal, na ânsia da perfeita imperfeição a alma lacrimeja. Clama pelo nosso aceitar da simplicidade das virtudes e transparência dos defeitos que nos fazem. Buscamos o alheio e choramos pelo nosso. Levantas-te! Dás esses cinco passos até à porta por onde sais como que numa viajem para um novo apeadeiro. Eu sei, tu também! Não podia ser de outra maneira. Conhecemo-nos num não lugar, num não momento, entre o ser e o não ser, aniquilados pela distância que vai de nós a nós. Os pés assentes num chão manipulado, o tempo um intervalo entre a tentativa frustrante do encontro e a consciência do desejo de estar perdidos em qualquer outro caminho. Passos movidos pela irracionalidade vão esgotando a água dos poços onde subsiste uma réstia de humanismo para evitar a desidratação da alma.
- Fica bem! Adorei estes momentos (termina como começou…… retórica conveniente) temos que marcar outro encontro um qualquer dia.
Troquei! Trocamos! A água que nos sustenta por este beijo com aroma de café. Viajamos com a cegueira imposta pela venda que nos colocamos, e no nosso pesadelo afogamos o sangue das nossas veias na virtual procura do encontro. Nunca superaremos o amanha porque nunca construiremos o hoje. Nunca serás a árvore dos meus frutos, mas talvez! Talvez! A fonte da incoerência, a cor da lama, o castigo ardente que necessito para enxertar na minha pele seca as dores da subida às montanhas do impossível. Aqui foi enterrado mais um momento supérfluo. Nada ficará escrito por ti ou por mim. Tudo o que não foi dito será um dia a nossa obra completa. Não habitarás as minhas lembranças, os poemas na insónia da ilusão da esperança. Ah! Pobre coração! Nunca digas “nunca” e nunca digas “sempre”. Não morras no desespero do desencontro subjugado à tirania dos segundos sem horas. Não desistas de ter o que o sonho pretende, de ser o que o sonho comanda, de ter dias em que alcanças porque mataste todos os outros em que só o desejastes. Não desistas frágil coração! Não desistas de bater, não desistas do “eclipse”, não desistas de mim.
Não será por ti! Mas eu sei que um dia voltarei a este café….
26-08-2009