Poesia e pensamentos livres


Por tua culpa, por minha culpa, por sabe-se lá culpa de quem, acabo de sair do cinema mudo, da rocha calcada abandonada e sonolenta da apatia.
Desse buraco negro onde todas as direcções são boas porque nunca se sai do mesmo sítio.
Todos os meus pensamentos são agora traços firmes tatuados sem receios num papel deslumbrado com a minha convicção.
Ouso querer pintar o infinito e superiorizar-me à dimensão das palavras.
Mas neste momento tudo é possível!
Sinto uma invasão pacífica de coragem, silenciam-se os temores, caem os muros onde pendurei os papéis vazios que sucumbiram ao medo do fracasso.
Vejo além das paredes e consigo imaginar-me a subir até esse promontório onde toda a alma se converte naquilo que acredita poder vir a ser.
E é nesta força de acreditar que me invade que está a razão de ter sacudido o pó a este desgraçado papel que já se arrepende de ter saudades minhas.
A minha geografia expande-se na conquista de espaços para além dos exíguos metros quadrados que possam existir entre o medo e dúvida.
Ninguém pode alterar verdades que só a mim me pertencem, mas como é motivante um genuíno “Acredito Em Ti”.
As dúvidas perdem os alicerces onde sustentaram o edifício dos sonhos desfeitos e despertam sorrisos por todos esses mortos imaginários que sempre se riram da minha criação.
Fora de mim existe alguém que acredita, não no que a minha face visível transmite, mas no que sendo invisível aos olhos é realmente meu.
E por isso hoje sinto-me em paz, para calmamente (acalmia que me espanta…) compreender que ao tentar esconder o meu pânico do fracasso sobre o manto da apatia, nada mais fiz que assumir-me como escravo do medo e vender a minha liberdade a troco de nada.
Só vendo a minha verdade reflectida no espelho dos dias, poderei talhar os contornos da minha imagem impoluta e o reflexo desse esforço percorrer o mundo de mãos dadas com a minha alma serena.
Claro que isso não me acontece por cobardia, mas pela insuportável necessidade que tenho de procurar a perfeição.
E quase sempre na procura desta, nada construo que permaneça mais que o segundo que demora a minha crítica a destruir tudo.
Tantas vezes me coloco, ou tento me colocar, do lado dessa ignorância genuína que nada exige e que no limite encerra alguma eternidade.
Mas quase sempre sucumbo à realidade de turista nas ruas do conhecimento.
Não obedeço à minha razão nem a qualquer outra.
Desconheço a razão que sigo, se sigo alguma deve ser minha! A minha complexa mente obriga-me a avançar na vida com a lentidão da ponderação e prudência.
Demasiado pensamento para quem não quer dar passos para trás ficando sempre no mesmo sítio.
Mas hoje até acredito em contos de fadas, em amores eternos, no sentimento puro, no sorriso genuíno, nas pessoas que amo, em almas gémeas.
Acredito na dimensão estóica da saudade, no grito mudo da solidão que ama, no silêncio que liberta, na diferença que completa, no sonho que constrói, na pele que nos liberta.
Acredito que a eternidade é esse espaço que medeia entre sonho e sonho com a nossa real assinatura.
Acredito que eterno é o que fica do que passa entre a desigualdade dos dias e a distinta claridade das noites.
Acredito em tudo que não devo mas sinto-me mais eu que nunca e amo-me de verdade.
Fui em tempos o início de um sonho, que logrou construir o seu caminho desenhando estradas com sonhos próprios.
Fui o início!
A continuidade depende da minha capacidade de aceitar que sou responsável por tudo o que de mim fizer.
Não posso ser responsabilizado pelos sonhos alheios mas serei consequência dos meus.
Porque tenho eu constantemente medo do reflexo das minhas acções no futuro?
Porque tenho eu que exigir que tudo o que faça toque a melodia da perfeição e dessa forma tenha uma eternidade que não existe?
Pensar que a eternidade pode ser uma realidade é aniquilar a beleza do momento, dure este o que durar.
Tudo o que possa ser eterno torna-se em grande medida irrelevantemente existente.
Perdi muito tempo amordaçado e esfomeado e compreendo hoje que uma alma faminta nunca poderá ser livre.
Um dia talvez eu possa ser um poeta mas nesse dia perderei o medo do ridículo ou de qualquer outra manifestação de subjectividade alheia.
Quem sente medo não se ama a si mesmo, não ama nada que seja seu, nem nada que lhe seja alheio.
Não posso mudar aquilo que sou, mas posso e devo mudar tudo o que me leva a ser diferente disso.
Durante este tempo náufrago em águas de motivação, realizei sonhos antigos, desenterrei projectos em decomposição e deleitei-me com desejos proibidos que escondi nesse canto esquecido onde sempre tentamos fechar a desilusão e a derrota.
Tudo o que em mim pode neste momento transparecer se fosse visível, é a despreocupada noção do tempo, a vontade de criar e o brilho da gratidão estampada nos meus olhos.
Obrigado a todos os que em mim acreditam porque hoje, antes de adormecer, vos dedicarei a minha liberdade e os meus sonhos florescerão com todo o amor do mundo.

07-03-2012



Estás ausente!
Nada te pode dar esta minha vontade de dar-te algo.
Dou-te uma solidão que sabes ser tua e só assim a quero.
Dou-te este tempo porque tu és o meu tempo.
Todos os outros tempos não sabem nada de nós.
Dou-te estes momentos no mudo assombro da necessidade de ter o que sempre perco na tua ausência.
Se eu te contasse o que imagino e relembro nestes momentos que me ensinam quanto vale uma demora!
A confusão dos silêncios das palavras que de ti não escuto.
A secura dos meus lábios pela sede de não ter-te.
A escravidão das memórias que são tuas.
Procuro-te em todos os lados, todos os gostos, todos os movimentos de uma cidade imaginária de rostos anónimos.
Procuro-te!
Num papel em branco como um poeta sem caneta.
A tua espera sempre foi assim, contratos feitos com a ausência em que te faço presente.
A minha inteligência odeia-me!
Porque a solidão faz de mim um objecto.
Que me interessa se a mente me critica.
Desejo uma paz que só sentirei no teu regresso.
Até lá a minha solidão é escrava da tua lei.
Agora!
Não tem em mim parte que não fique a passear nos teus recantos.
Agora!
Dou-te tudo o que em mim ainda existe que não me vem de ti.
Dou-te o meu corpo efémero prometido ao desaparecimento e a minha alma eterna.
Agora!
Dou-te a certeza que este tempo e todos os outros são só nossos.
Agora!
Ninguém sabe mais nada, e nenhum outro tempo tem razão.

01-02-2012


Popular Posts