Poesia e pensamentos livres

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I – Tudo é temporário

A vida é o palco onde interpretamos um papel permitido pela vastidão da nossa ignorância. O que acreditamos ser do domínio conhecido num determinado momento, constituirá o vasto universo da dúvida no momento seguinte. A linha que divide o compreensível do incompreensível é definida por segundos que separam o passado, presente e futuro. De estação em estação tudo se renova, reveste-se de nova forma de novo sentido. As árvores que contemplamos perderão as suas folhas e no seu renascer ganharão outra forma e dimensão. Na natureza não existe duas criações iguais, e quando nos deitamos à sombra dessa árvore pensando que a conhecemos desde sempre, já esta nos observa com nova roupagem e nos abraça com novos braços. Nada existe eternamente mas coexiste temporariamente. Qualquer conclusão sobre a realidade ficará vazia de conteúdo pela sua não existência na mesma forma no momento seguinte. Na natureza o único permanente é a mudança. Um universo em movimento fruto da confluência entre o aparente e o concreto, a ideia e a materialização, o vazio e o preenchido, o existir e o não existir, o ser e o ser transformado. A nós, pura matéria também em transformação, cabe-nos a inevitável convivência com o incompreensível, aumentando a nossa consciência da sua vastidão. Essa é a nossa insignificância mas também a nossa grandeza. Aumentar a consciência do mutável, expandir o domínio do que nos é incompreensível, é o único papel que nos encaixa na perfeição. Interagir com a vida, adaptando-nos, utilizando a sua imprevisibilidade para proveito da experimentação, do usufruto da beleza do incerto, da inevitabilidade do erro ou da surpresa do acerto. Tudo no tempo que nos é concedido (embora por vezes lhe chamemos outras coisas…), não é mais que a consequência da luta de uma vontade ignorante na ambição da sabedoria efémera.

II – A incompreensão compreensível

A ignorância e o conhecimento têm uma relação directa. É sempre mais ignorante quem aumenta o perímetro da sua sabedoria. Tudo compreende quem nada viveu. Não tem dúvidas quem nada experimentou. A verdade é uma estrela temporária que sempre morrerá para dar lugar a outra e perpetuar a luz. É um universo de subjectivismo contextual, uma adaptação das circunstâncias, o eco da voz que se gera no subconsciente à medida que caminhamos na estrada do desconhecimento. Atravessamos a vida na periferia da ignorância, trespassando em cada aurora o universo do incompreensível, com a insignificância do que vivendo compreendemos no seu momento. Na verdade a incompreensão que nos domina é completamente compreensível. Desde logo porque a nossa construção foi planeada por arquitectos da “roda” num momento em que o homem já tinha pisado a lua. Começam nas escolas por nos incutir valores de uma sociedade que não existe. Formam-nos nas universidades para ciências que não existirão no futuro. Vendem-nos valores de respeito pelo igual, pelo aceitável, e não nos ensinam a disciplina da convivência com o diferente. Devíamos ser formatados como agentes da mudança mas pintam-nos com as cores da perpetuação do existente. Ensinam-nos e esquecem sempre que nos devem educar. Entramos com a vista turva, tementes do incerto para este processo em que nos formatam a uma realidade. Quando saímos somos completamente invisuais para a realidade que encontramos. Somos o produto de uma educação, que se tivesse a oportunidade, ensinaria um esquimó a viver do consumo de carne de vaca. Como seria ideal que nos levassem a desenvolver a nossa intuição, a potenciar a nossa unicidade, ela sim, capaz de ser alavanca da mudança. Como seria ideal que nos incutissem, não simplesmente a aceitação do estado das coisas, mas a por em questão tudo o que existe em função da sua efemeridade. Como seria uma sociedade que forma pessoas não para perguntar “que horas são” mas para questionar “que raio é o tempo”? Somos meros robots programados por uma ideia quando ao mesmo tempo a sociedade se transformou e exige outra.
"Dêem-nos o supérfluo da vida, e dispensaremos o necessário”, alguém o disse e não foi eu. E basta sair para a rua para estar rodeado das mais banais manifestações deste desconhecimento compreensível. Ideais “pret-a-porter”, procura do normalizado, ambição do superficial. A luta sangrenta pelo “ter” pelo “ser” mesmo que à custa da total aniquilação do “sentir”. A veneração do efémero em ignorante detrimento do eterno.
Quero continuar a acreditar, que esta realidade é consequência de uma ilusão imposta, vendida ou ensinada. E que todos os seus actores regressão a casa depois da sua brilhante interpretação desejando uma realidade diferente, ou simplesmente – acrescentaria eu -, uma realidade. Manipulando com liberdade a frase “Dêem-nos o supérfluo da vida, e dispensaremos o necessário” eu diria “ Formem-nos com a consciência do necessário e dispensaremos o supérfluo”.

III – A inversão da pirâmide

Mas como tentar dominar a constante mutação do real, e dessa forma aumentar o perímetro da fantástica ignorância? Como? Não sei! Vivo com isso apesar disso e por isso. Tomei consciência e aceitei que nada do que somos seremos! E nada do que fomos continuamos a ser. Somos hoje consequência do ontem vivido, seremos amanhã o reflexo do hoje construído. Um misto de realismo e alquimia, de sonho e realização, de romantismo e pragmatismo, de luta e submissão, de rebeldia e conformismo, de certeza e experimentação, de displicência e reflexão, de dúvida e compreensão. Somos e seremos! Do tudo que é nosso um pouco, do muito que é de outrem outro tanto.
A minha única convicção é saber que jamais saberei, que todas as minhas dúvidas se perpetuarão mesmo que num determinado momento me pareça o contrário. Compreendo a minha passageira condição neste mundo, e somente me dedico ao deleite da surpresa com todos os seus mistérios. Deixei de tentar compreender o incompreensível e simplesmente sinto. Não desejo um futuro de saudades do não vivido, enquanto tento compreender as razões de o não ter feito. Não desejo porque não tendo uma métrica para a saudade desvalorizaria o seu tamanho, qualquer que ele fosse. Alimento cada dia a capacidade de sentir o encanto da imprevisibilidade de um palco em transformação. Vivo esfomeado pelo sentir e aceito as consequências dessa fome. Nesta vida muito ganhei e outro tanto perdi, em proporção igual ou diferente que interessa! Perder e ganhar será sempre uma consequência! Sejamos parte activa ou meros espectadores. No primeiro caso perderemos por arriscar ganhar, no segundo por nada ter a perder. Sempre perderá mais, quem aumenta dúvida à ignorância pela vivência da realidade. A ignorância não é mensurável “ad-eternum “, diminui para quem só existe, aumenta inevitavelmente, para quem arrisca viver. A dúvida é compreensível e justificável. Muito existe na vida que não necessita de qualquer explicação, simplesmente é assim. Somos mentes temporárias que exploram um universo eterno. Uma luta tão desigual quanto fantástica. É exactamente na nossa temporalidade que reside a nossa beleza. O que é eterno nada valoriza, porque é isso mesmo, eterno! Para os mortais tudo embora temporário, pode durar uma eternidade numa consciência com lembranças. É na experimentação activa da constante transformação, que ficamos com esses quadros estáticos que imortalizaram um momento, aos quais chamamos de memórias.
Memórias!
Sorrisos que damos à vida quando esta não sorri para nós.
Memórias!
A nossa vitória sobre o tempo, a bandeira de eternidade na colina do efémero. Tudo o que fica quando tudo resto passa. Por elas vivemos por elas experimentamos, lutamos, sonhamos e erramos.
Memórias! A vitória da ignorância humilde sobre a mutação.
E se hoje for um desses dias em alguém acha que tudo acabou, que o tempo já enferrujou o que antes era um sorriso fácil, saia para rua! A vida fala, sussurra, anuncia e realiza. Tantas vezes este processo é alheio à nossa realidade, não porque não exista! Porque existe e sempre existirá! Mas porque na ânsia dos dias ou das horas não observamos os segundos. Na surdez imposta pelos barulhos dos nossos medos, perdemos a capacidade de escutar a sua voz.
Saia para a rua! Perca-se, seja ignorante e escute os sons da natureza. Valorize as horas alimente-se dos segundos. Alguém disse, ”temos direito na vida a um erro grave, a um vício inofensivo e a um amor verdadeiro”…. Seja os três, “Contemple os dias passados mas tenha os olhos voltados para a eternidade”. Decida aceitar que devemos viver pelo que nos mata e morrer pelo que nos faz estar vivos.
Não! Não sou um lunático que ou entrou no limiar do desespero, nem me rendi aquelas substâncias que o organismo não expele de forma natural. Não tive mais remédio que aceitar a inversão da pirâmide dos valores da minha existência. O que nos mata é exactamente o mesmo que nos dá vida. O tempo! A vida é em si mesma um hábito que mata. E é na forma como com ele lidamos que reside um dos segredos da felicidade abraçada ao incompreensível. Vivamos sem pensar nele, mas com ele e para ele. Sejam quais forem as circunstancias sempre teremos o poder de mudar o nosso tempo e a forma como as estações se vão apresentado aos olhos da nossa insignificância. Nada fica sempre igual e nada existe realmente. Aparência e vazio existem simultaneamente. Viver é a única maneira que conheço para poder sonhar. E sonhar a única forma que conheço de me sentir vivo.
Que seja eterno tudo o que de temporal em mim existe.
Que eu atinja a eternidade por tudo aquilo que em mim não é visível.
Enquanto vivos tudo é despedida e por isso agora me despeço com todos os sonhos do mundo que faço meus, e com este sorriso que é vosso.
Que me faz sair agora? Neste dia de sol onde agarro a vida com a força dos sonhos.
Que me faz sair agora? Nesta noite, onde a ultima lágrima secou pelo calor de todos os meus sorrisos?
Que me faz sair agora?
A certeza de que só lá fora morrerei experimentando a vida, e só com esta poderei alterar o rumo do efémero vencendo o que me mata.

11-05-2010


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