Já experimentei os sabores
Das ementas realistas
E o perfume de flores
Em mesas fatalistas
Já ingeri alimentos
De cardápios idealistas
E partilhei momentos
Com cores surrealistas
Já bebi águas impuras
Elixires predestinados
Alimentei às escuras
Uma fome de pecados
Já senti a escravidão
De almas em sangue esvaído
Cuja única aptidão
Era viver sem ter nascido
Já senti a hipocrisia
Do gesto penitente
De enxertar na anatomia
Pedaços de outra gente
Já escutei o despertar
De gritos em pura revolta
Assisti ao desabrochar
De gente que estava morta
Já vi campos se alagar
Nas lágrimas de quem sustenta
Vi o mar transbordar
De quem dele se alimenta
Já me queimei nesse sol
Que o verão proclama
Já me deitei sem lençol
Para não desfazer a cama
Já fui flor de primavera
Tempestade de inverno
Perdi o verão à espera
De Outono subalterno
Já fui corpo utilizado
Em mente inexistente
Animal idolatrado
Predador indiferente
Já chorei o que não quis
Água pura de Afrodite
Dilúvio que me fez feliz
Pela ausência de limite
Já senti a dor do corpo
Tive pressa com calma
Fiz da solidão o porto
Para descanso da alma
Já fui senhor de espaços
De esquinas esquecidas
Soldado que nos braços
Tatuou causas perdidas
Fui servo da indiferença
Amo de almas devotas
Vencido por uma avença
Vendi-me a mentes idiotas
Já fui grande noutras mentes
Anão que viu gigantes
Inferior entre diferentes
Igual entre importantes
Já comi com as minhas mãos
O sagrado pão de amigos
Sentei-me entre irmãos
E bebi com inimigos
Já vivi o preto e branco
De daltónico egoísmo
E cores de um falso pranto
De hipócrita altruísmo
Já senti na pele a lama
De estradas esquecidas
Queimei-me com a chama
De paixões adormecidas
Já imaginei sereias
Em peixes de palmo e meio
E comi mel de colmeias
Com o sabor do alheio
Já quis ser alguém
Que nunca em mim vi nascer
E não fui eu nem ninguém
Fui algo para esquecer
Já fiz odes sonhadoras
Prosas com rebeldia
Poesias inspiradoras
Com letras de alquimia
Já fui palhaço de prenda
Cartoon em branco caderno
Filme mudo sem legenda
História de livro eterno
Já caminhei sobre a areia
Com pensamento disperso
Fui estrela sem plateia
De mim verso e inverso
Já tive neste meu tempo
Tempo para perder
E já tive esse momento
Que tempo me faz querer
Já escutei do vento
Notícias de tempestade
Já vivi num momento
Anos de liberdade
Sou consequência
Sou construção
Sou evidência
De uma razão
Da vida quero presença
Sou de mim só um pedaço
Que ela mantenha a crença
De que com ela me faço
16/01/2015
Para palavras tão geniais nada mais merecido que um blog tão lindo como esse! Sou tua fã declarada, isso já te falei antes. Leio e releio todas suas poesias, quem sabe eu não aprenda um pouco! Um abraço de sua amiga do Mar de Poesias, Jal Magalhães (www.donnapoesias.blogspot.com)
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